domingo, 30 de agosto de 2009



Os seios caíram

No Ocidente, o século 20 viu um progressivo desvestir-se feminino, agora há o retrocesso -sabe-se lá o que nos aguarda

Triste notícia. A revista francesa "Le Nouvel Observateur" relata: "Os tendenciólogos são formais: nada mais brega do que passear na praia sem a parte de cima do maiô".
É que, dos anos de 1970 até agora, as francesas puseram-se a expor os seios não só à beira-mar, mas nas piscinas públicas, de clubes ou condomínios.

Livres, eles não chocavam mais ninguém. Aquelas que os tinham bonitos chamavam a atenção ao oferecer a beleza descoberta. As menos favorecidas não se importavam muito com deixá-los de fora, e, olhando bem, sempre havia neles alguma coisa que despertava interesse.

Agora, caíram de moda. Pelo menos os nus. Os tempos tornaram-se pudicos, regressivos, conservadores. As muçulmanas sequestram o próprio aspecto com seus hijab (lenço que oculta cabelos e pescoço), jilbab, nicab, sitar, até chegar à burca, que as recobre como se fosse uma tenda ambulante.

As francesas escondem os seios: é muito menos que as muçulmanas, mas é sempre uma dissimulação do corpo, portador de pecados.

No Ocidente, o século 20 testemunhou um progressivo desvestir-se feminino: basta ver as fotografias de praias há cem anos. Agora, há o retrocesso. Sabe-se lá o que nos aguarda: pode ser que o século 21 assista a um paulatino e coletivo striptease ao contrário.

Helenos

Os antigos gregos demoraram em esculpir mulheres nuas. No 6º século a.C., os curos, rapazes, eram representados nus, mas as corês, moças, eram sempre vestidinhas.

No final do século 5º a.C., Calímaco esculpiu sua "Vênus Genitrix" revelando apenas um seio, magnífico. Seria preciso esperar o 4º século a.C. para que, enfim, Praxíteles desse um novo sopro hedonístico à cultura helênica despindo sua "Afrodite de Cnido". A viril democracia ateniense entrara em decadência e a sedução feminina se infiltrava nos costumes.

Eleição

Os seios da Vênus de Calímaco, um visível, o outro recoberto por finíssimo tecido, são estupendos.

Na história da pintura, Courbet [1819-77] deixou um par, insuperável, na tela "A Mulher e a Vaga" (Metropolitan Museum, Nova York). A textura translúcida permite perceber o tom pálido, verde-azulado, das veias sob a pele.

Daniel Arasse, historiador da arte, viu uma metáfora do esperma na espuma do mar que avança sobre o torso da banhista. Análise sem dúvida excessiva, ela confirma, no entanto, a força erótica da tela.

São sempre escolhas pessoais, questão de gosto, que variam. Qual seria o mais belo par de seios em toda a história das artes? Mensagens para esta coluna.

Sutiã

Se Calímaco e Praxíteles esculpiram sublimes seios, Brecheret [1894-1955] é o autor dos mais curiosos. São os da "Musa Impassível", que ornava o túmulo da poetisa Francisca Júlia [no cemitério do Araçá, em São Paulo] e que a Pinacoteca do Estado trouxe para o seu acervo.

Essa estátua tem o mesmo título de um poema admirável e outrora célebre da grande escritora. Traz as marcas estilísticas de um simbolismo "art nouveau" e tardio naqueles anos de 1920: alongamentos, linhas que fluem.

Apoiada numa muretinha, a musa, muito alta, recua os ombros, avança o ventre, empina os peitos pontudos e dobra a cabeça num movimento contrário ao arco do corpo.

O rosto demonstra compunção, buscando traduzir em pedra "o sobrecenho austero", que figura num dos versos: o modelado dos olhos lembra as deformações de "O Grito", de Munch.

Apenas, ao contrário do que diz o poema, fecha as pálpebras. O efeito engraçado vem do contraste entre a expressão de solenidade afetada, oposta aos seios espevitados e oferecidos.

jorgecoli@uol.com.br

Nenhum comentário: