sexta-feira, 28 de agosto de 2009



28 de agosto de 2009
N° 16077 - DAVID COIMBRA


Comentários a respeito de John

Há algo de comovente neste sumiço do Belchior. Não o digo por ser admirador dele, que sou. Quando fui morar em Criciúma, minhas únicas posses eram, além das roupas poucas, um colchonete, um gravador de entrevistas do tamanho de uma agenda e três fitas cassete: uma dos Beatles, uma do João Bosco, uma do Belchior.

Ouvia-as até gastar as pilhas e o gravador começar a fazer uon-uon-uon. Decorei todas as letras de Coração Selvagem, um dos maiores discos da história da MPB. Belchior era um sujeito capaz de escrever uma frase destas:

Meu bem, guarde uma frase pra mim dentro da sua canção

Esconda um beijo pra mim sob as dobras do blusão.

Não é uma lindeza de imagem? Ela guardando o beijo para ele no blusão enrugado, como se fosse uma bala Sete Belo.

Nesta mesma música ele diz: Talvez eu morra jovem

Alguma curva no caminho Algum punhal de amor traído

Completará o meu destino. O destino finalizado por um punhal de amor traído. Outra pedra preciosa.

Numa de suas músicas mais belas, Belchior chegou a avisar que, um dia, poderia sumir:

Há tempo, muito tempo, que eu estou longe de casa

E nessas ilhas cheias de distância o meu blusão de couro se estragou.

E, mais adiante, um verso poderoso: Gente de minha rua, como eu andei distante

Quando eu desapareci ela arranjou um amante Minha normalista linda, ainda sou estudante da vida que eu quero dar.

Não é tão difícil de a gente descobrir a vida que quer dar? Suponho que Belchior ainda não tenha descoberto. Suponho que ele ainda seja aquele estudante desesperado de 73. Por isso saiu por aí e já há dois anos ninguém, nem família nem amigos, sabe do seu paradeiro. Belchior está pelo mundo, estudando a vida que quer dar.

As músicas de Belchior sempre tiveram esse cheiro do asfalto da estrada, esse tom de rebeldia, de ânsia por liberdade.

Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho Deixem que eu decida a minha vida

Não preciso que me digam de que lado nasce o sol Porque bate lá meu coração.

O que explica em parte o seu desaparecimento. Quem aspira à liberdade total não pode se apegar às outras pessoas. Belchior não depende de ninguém. Mas é a outra parte da explicação que me comove. É que, parece evidente, ninguém depende de Belchior. E não existe solidão maior do que viver sem ter quem precise da gente.

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