sábado, 15 de agosto de 2009



16 de agosto de 2009
N° 16064 - MOACYR SCLIAR


Tragédias brasileiras

Euclides da Cunha, cujo centenário de falecimento ocorre neste dia 15, teve a vida marcada por tragédias. De uma delas foi espectador; estamos falando, claro, da campanha de Canudos, que cobriu como jornalista e que depois daria origem a uma das obras mais importantes da literatura brasileira, Os Sertões.

Homem culto, com sólida formação científica (era engenheiro e bacharel em ciências e matemática), Euclides partiu para o sertão baiano com a impressão, à época dominante, de que Canudos era um reduto de fanáticos ignorantes, de degenerados, como então se dizia, comandados pelo maluco conhecido como Antonio Conselheiro.

Lá chegando, porém, viu que esta ideia não correspondia inteiramente à realidade. Sim, tratava-se de uma seita rebelde, que não aceitava o regime republicano nem a cobrança de tributos federais (coisa que muitas pessoas, mesmo sem pertencer a seitas, também acham exagerada).

Mas reduzir aquelas pessoas a um bando de doentes mentais era sem dúvida o resultado de uma visão equivocada, e no famoso trecho que começa com o sertanejo é antes de tudo um forte, Euclides revela sua admiração por uma figura estóica, resistente e muito brasileira. Isto não impediu que a cidade (a segunda em tamanho na Bahia de então) fosse arrasada pelas tropas e seus habitantes trucidados.

Resultado, mostra o autor, das tremendas desigualdades sociais, políticas e culturais que reinavam, e que ainda reinam, no Brasil.

E depois veio a tragédia pessoal que, de alguma forma, tem a ver com o Rio Grande do Sul. Depois da campanha de Canudos, e talvez motivado por esta, Euclides viajou muito, sobretudo pelo norte do Brasil.

Longas viagens, que duravam meses, e durante as quais Anna de Assis, sua mulher, ficava sozinha com os filhos. Resultado: ela acabou tendo um caso. Apaixonou-se pelo jovem (17 anos) militar Dilermando de Assis, que era porto-alegrense, mas que estava na Escola Militar do Rio de Janeiro, homem muito bonito, alto, loiro. Tiveram dois filhos.

Euclides, claro, não podia ignorar esta ligação. Sobreveio então o trágico desfecho. No dia 15 de agosto de 1909, um domingo, Anna e Dilermando estavam na casa deste, no bairro da Piedade, no Rio, quando Euclides chegou, armado de um revólver que conseguira com parentes. Bateu palmas frente ao pequeno portão e pediu para entrar. E aí, puxando a arma, gritou que ali estava para “matar ou morrer”.

Atirou, acertando o irmão de Dilermando, Dinorah, e o próprio Dilermando. Este, no entanto, campeão de tiro, revidou com certeira pontaria, matando Euclides. Dinorah, jogador de futebol do Botafogo, acabou hemiplégico e, deprimido, suicidou-se 12 anos depois. Dilermando, apesar de execrado pela opinião pública, foi absolvido. Logo depois casou com Anna.

Os dois foram morar em Bagé, onde a casa deles tornou-se um ponto de reunião da intelectualidade. No fim, porém, separaram-se, e ele casou com outra. Antes disso, nova tragédia.

Em 4 de julho de 1916, Euclides da Cunha Filho, “Quidinho”, que tinha 19 anos de idade, decidiu vingar o pai. Encontrou Dilermando num cartório do Rio de Janeiro, e alvejou-o – pelas costas. Mesmo ferido, Dilermando mostrou de novo que era grande atirador, matando o jovem agressor. Novo escândalo, novo julgamento, nova absolvição.

Pergunta: o que têm em comum Canudos e o assassinato de Euclides? Em ambos os casos, vemos até onde a irracionalidade e as paixões podem levar os seres humanos. Em ambos os casos, tragédia: tragédia nacional e tragédia pessoal. Fica a lembrança amarga. E fica, claro, Os Sertões.

Falando em preconceito e intolerância, recebo do Dr. Telmo Kiguel, conhecido psiquiatra gaúcho, uma boa notícia: a Associação Brasileira de Psiquiatria está lançando o Projeto Discriminação, que busca promover a prevenção de transtornos e a preservação da saúde mental de populações vítimas do preconceito.

No próximo dia 20, às 10h30min, haverá no Plaza São Rafael conferência a respeito a cargo do Dr. Ivair A. dos Santos, tendo como debatedor o Dr. Rui Portanova e coordenador o Dr. Telmo. Bela iniciativa.

Agradeço também às mensagens do Dr. Enio Carvalho Gigante, Dr. Paulo Zielisnky, prof. Flavio Seibt, Madelaine A. Piana, psicóloga Patricia Blessman, Igor Santos, João Batista Mairesse.

O Milmar da Silva Lara garante que seu nome condiciona destino, por causa do “mar”: ele nasceu no bairro Fragata, em Pelotas, foi da Marinha de Guerra e, por último, “Milmar ao inverso: Marmil é o endereço eletronico da Marinha do Brasil, então tem tudo a ver comigo.” Tens mil razões, Milmar.

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