sábado, 29 de agosto de 2009



29 de agosto de 2009
N° 16078 - CLÁUDIA LAITANO


Uma menina chamada Susan

O diário começa assim:

“eu acredito:

a) que não existe nenhum deus pessoal nem vida após a morte;

b) que a coisa mais desejável do mundo é a liberdade de ser verdadeiro para si mesmo, ou seja, Honestidade;

c) que a única diferença entre os seres humanos é a inteligência;

d) que o único critério para uma ação é a felicidade ou a infelicidade individual que em última instância ela produz;

e) que é errado privar qualquer homem da vida.”

A autora é a ensaísta americana Susan Sontag (1933 -2004), que manteve um diário do início da adolescência até pouco antes de sua morte, registrando tanto o percurso de sua formação intelectual quanto passagens de sua vida íntima.

Organizados pelo único filho dela, o escritor David Rieff, esses textos começam a vir a público agora com um primeiro volume dedicado ao período que vai de 1947 a 1963. O trecho acima abre o primeiro diário e foi escrito quando a autora ainda não havia completado 15 anos.

Há sempre uma dose de voyeurismo na leitura de um diário, e mais ainda quando os textos não foram selecionados pelo próprio autor para publicação. No caso dos diários de Susan Sontag, essa impressão é ainda mais forte pelo fato de a autora demonstrar um talento tão precoce para escrever e, mais que isso, para pensar – uma espécie de Anne Frank sem final trágico, se substituirmos as divagações românticas pelas reflexões filosóficas (ambas tinham mais ou menos a mesma idade e origem judaica, mas Susan teve a sorte de estar do lado certo do Atlântico naquele momento).

A jovem Susan fazia listas dos livros a serem lidos, registrava passagens dos autores que estava descobrindo e traçava metas rígidas de autodisciplina para sua formação.

Os diários incluem as experiências com sexo – sexo com amor, sexo sem amor, sexo com mais ou menos prazer –, mas esse ligeiro perfume de escândalo é menos impressionante do que a monumental energia intelectual concentrada em alguém tão jovem. Estamos diante de uma menina plenamente consciente de sua inteligência e do trabalho que tinha pela frente se quisesse alcançar o grande futuro que imaginava para si mesma.

No prefácio do livro, David Rieff não esconde um certo constrangimento por ter tomado a decisão de publicar os diários sem que Susan Sontag tivesse expressado diretamente esse desejo em vida.

Em um texto anterior, Rieff já havia comentado o fato de que a mãe recusou-se até o fim a aceitar a morte, convencida de que seria capaz de vencer mais um câncer (já havia vencido dois antes). Logo, não deu orientação nenhuma sobre o destino de sua obra, assim como não encenou qualquer tipo de despedida das pessoas mais próximas.

Rieff admite que também não fez questão de abrir seus olhos sobre a gravidade da doença, preferindo embarcar com a mãe na fantasia de que em breve ela estaria em casa e trabalhando novamente.

Respeitando o que Susan Sontag já intuía aos 14 anos, David Rieff apostou que o único critério para uma ação é a felicidade ou a infelicidade individual que em última instância ela produz.

Nenhum comentário: