segunda-feira, 17 de agosto de 2009



17 de agosto de 2009
N° 16065 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Raiva da Música

Pascal Quignard publica um livro pela Gallimard, na coleção Folio, com o título acima [no original: “La Haine de la Musique”, com artigo]. É uma coleção de ensaios. Um deles, que repete o título, é pura provocação, considerando-se que Quignard, além de escritor importante, vencedor do prêmio Goncourt, é musicólogo e instrumentista.

Em dado momento escreve: ... estamos num tempo em que as sequências melódicas exasperam. Sobre a totalidade do espaço da terra, e pela primeira vez desde que foram inventados os primeiros instrumentos musicais, o uso da música tornou-se ao mesmo tempo opressivo e repugnante.

Ampliada de maneira súbita pela invenção da eletricidade e pela multiplicação das tecnologias, a música tornou-se incessante, agressiva, dia e noite, nas ruas comerciais dos centros urbanos, nas galerias, nos becos, nas grandes lojas, nas livrarias, nos bancos estrangeiros onde retiramos dinheiro, mesmo nas piscinas, mesmo na praia, nos apartamentos, nos restaurantes, nos táxis, no metrô, nos aeroportos. /

Mesmo nos aviões no momento da decolagem e da aterrissagem. / Mesmo nos campos da morte. / A expressão “raiva da música” quer exprimir a que ponto a música pode tornar-se odiosa para alguém que a amou mais do que nunca [pp. 198-199, tradução caseira].

Sim, por certo. Seria possível identificar outros lugares e situações omitidas por Quignard, como o atual mau gosto musical nos carros: um atordoante tambor em baixa frequência, quando não música pseudocaipira em alto volume.

Acrescentar-se-ia a música nos estádios de futebol, nos churrascos ao ar livre, nas salas de espera, nos corredores, nas construções, nos quartos em que adolescentes estudam – e até nos velórios, como se os mortos tivessem culpa por haverem morrido.

Vive-se uma esquizofrênica obsessão pela música. Por ser tanta, a música perdeu seu significado. Tornou-se uma espécie de fundo sonoro que ninguém mais ouve. Dia chegará em que as pessoas assistirão a um concerto sinfônico com aparelhos de som nos ouvidos. Perguntadas, responderão, tirando o fone por um instante: “Concerto, que concerto?”.

Não, não é implicância. Trata-se apenas de recuperar o prazer de escutar a música como se deve: sentado e sem pensar em nada senão nela, na música. O resto, como diz Hamlet em outro contexto, é o silêncio, belo e inefável.

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