sexta-feira, 21 de agosto de 2009



21 de agosto de 2009
N° 16069 - DAVID COIMBRA


Contra a gravata

Estou com preconceito contra a gravata. Não me é difícil admitir isso. Não tenho preconceito contra os preconceitos. Apascento alguns com todo critério, inclusive. Por exemplo: sou preconceituoso contra quem se leva a sério.

Não que desgoste dessas pessoas, em geral gosto de todas as pessoas, mas sei que quem se leva a sério logo vai arrumar problema comigo – quem se leva a sério sempre arruma problema com os outros.

Minhas colunas já me causaram dissabores com algumas dessas pessoas. Uma vez um gaudério negou-me cumprimento. Encontrei-o em um restaurante, em companhia de amigos comuns, estendi-lhe a mão e a mão ali ficou, suspensa, ele de braços cruzados e beiço retorcido, grunhindo:

– Tu disse que eu não existo!

Levei tempo para compreender. Referia-se a uma coluna antiga: “O gaúcho não existe”.

Não fiquei ofendido com o gesto dele; fiquei intrigado. Não o havia citado nem remotamente no texto. Apenas questionara a suposta identidade racial ou cultural do gaúcho, que é um na Serra, outro na Capital, outro na Fronteira, e por aí afora. Mas ele se enfureceu assim mesmo. Que fazer? Pessoas que se levam a sério são assim.

Às vezes, ao contrário do que ocorreu naquela coluna, cito uma pessoa, escrevo sobre algum amigo, e o amigo pode não gostar, pode ficar chateado. O que me entristece. Porque nunca escrevo para magoar alguém.

Posso criticar um homem público, mas jamais teço crítica pessoal. Agora, se conto uma história envolvendo um amigo, é possível que ele não aprecie a repercussão, e então o assunto, óbvia e inevitavelmente, se torna pessoal.

Mas aí basta explicar que era uma brincadeira e tudo bem, fazemos as pazes. A não ser que ele seja uma pessoa que se leva a sério. Um dia, fiz uma brincadeira com uma pessoa que achava que era minha amiga, ela se ofendeu e rompeu comigo. Pedi desculpas, jurei que foi um mal-entendido e tudo mais. Não adiantou. Nunca mais me tratou com naturalidade. Contei o caso para a Mariana Bertolucci e ela diagnosticou:

– Então essa pessoa não era tua amiga.

Certo. Porque meus amigos sabem: perco a piada, mas não o amigo. Carlos Wagner, o repórter mais premiado do Brasil, diz que suas amizades duram até o amigo virar matéria. Digo o contrário. Digo que nenhuma matéria vale um amigo. Logo, se um amigo se chateia com um texto que escrevo é porque ele não entendeu a intenção do texto.

Mas a maioria dos meus amigos não se leva a sério. Eles sabem que faz muito tempo que tenho preconceito contra quem se leva a sério.

Já o da gravata é recente. Adquiri-o devido à corrupção que escorre dia a dia pelo noticiário. Mas não só por isso. O que mais me incomoda não é o roubo, a malversação. É a dissimulação. Vejo um desses caras de gravata deitando falação atrás de um microfone ou sobre uma tribuna e já desconfio dele. Sei que ele sempre tem segundas intenções. Um exemplo rápido: por que tanta CPI?

CPIs não são constituídas para apurar ou esclarecer. Aqui ou em Brasília, em qualquer câmara ou assembleia, uma CPI tem por objetivo fazer o governo sangrar, desgastar candidaturas até a hora da eleição. Enquanto isso, as crianças estão esmolando nos semáforos. Por que eles não se empenham assim para salvar as crianças que esmolam nos semáforos?

Não, esses homens de gravata estão pouco se lixando para criancinhas que fumam crack debaixo dos viadutos, para meninas que se prostituem, para garotinhos que são abusados pelos pais. Eles querem é fazer política.

A gravata que amarram em torno do pescoço é um símbolo disso. Um símbolo da política que fazem. Devia ser um símbolo de seriedade. Homem de gravata é homem sério, já se disse uma vez. Não mais. Homem de gravata é homem que se leva a sério, e disso eu não gosto. Tenho preconceito contra essa gente de gravata que se leva a sério.

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