sexta-feira, 14 de agosto de 2009



14 de agosto de 2009
N° 16062 - DAVID COIMBRA


Coça, coça, coça

Meu olho está coçando. Nunca senti tanta coceira no olho. Coça, coça, coça. O olho direito e o olho esquerdo. Agora mesmo, no exato momento em que escrevo o ele e o agá de olho, meu olho coça.

E não posso coçá-lo. A gripe suína e tal. Passo o dia me controlando para não encostar o dedo no olho, nem no nariz, nem na boca para não ser contaminado pelo maldito H1N1.

Uma angústia. Desde que comecei a pensar isso, desde que se desencadeou a epidemia e a coçada de olho foi vetada, percebi que sinto muita coceira no olho, que várias vezes por dia tenho vontade de coçar o olho e que é uma delícia coçar o olho. Cara, coçar o olho é um dos prazeres da existência.

Como queria poder coçar meu olho.

Mas não coço, se esse é o preço a ser pago para não pegar a gripe suína. E lavo as mãos a toda hora e tenho um tubinho de álcool em gel no carro e não vou a lugares fechados onde haja gente demais. Não que seja hipocondríaco nem nada, mas temo passar essa moléstia para o meu filhinho. Há mais gente com essa gripe do que se pensa, acredite.

O Piangers, do Pretinho Básico, pegou. A coisa se complicou, transformou-se em pneumonia, o Piangers passou 15 dias em cima de um colchão, fazendo ouou. Quando voltou para a rádio, sentiu outras e inesperadas consequências da gripe: as pessoas o evitavam. Ninguém queria apertar sua mão, falavam com ele a dois metros de distância, se ameaçasse tossir, todo mundo saía correndo. No ar mesmo, durante o programa, o Piangers reclamou:

– Vocês estão me tratando como um...

Ele ia dizer aidético, mas o Porã assoprou que se dissesse aidético seria preconceituoso. Além disso ninguém mais fala aidético, acrescentou o Fetter, fala-se portador de HIV ou soropositivo. Então o Piangers não disse aidético, disse:

– Estão me tratando como um...

Quase falou leproso, mas o Maurício Amaral advertiu que falar leproso também seria preconceituoso e que, como no caso do aidético, ninguém mais diz leproso, diz-se portador de hanseníase.

Aí o Piangers socou a própria mão, feito um Robin, e concluiu:

– Vocês estão me tratando como se eu fosse um senador!

Todos nós concordamos que não podíamos fazer isso com o nosso amigo e o abraçamos afetuosamente.

O Piangers não está mais contaminado, qualquer um pode abraçá-lo sem medo. O Senado, sim. Não apenas o Senado, claro, e o noticiário de cada dia mostra que muitos dos estamentos da sociedade estão putrefatos.

Mas há que se tomar o Senado como um símbolo. O voto nulo para senador não é um voto desperdiçado. O voto nulo para senador é válido porque é um grito. É um protesto.

É dizer chega e pingar um ponto de exclamação depois do a. Não aceito mais escolher o menos ruim. Não vou me satisfazer com qualquer opção que me ofereçam.

Até poderia escolher o deputado mais ou menos, o presidente mais ou menos. Para o Senado, não. Não tenho mais paciência para com o Senado. Meu voto para senador será o voto mais eloquente que já dei. Um voto nulo. Um voto que diz não.

Anular o voto para senador e coçar o olho. Os deleites da vida são mesmo os mais simples.

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