segunda-feira, 5 de janeiro de 2009



05 de janeiro de 2009
N° 15839 - L.F. VERISSIMO


No Céu

Não acredito na reencarnação, mas confesso que tenho um medo: o de morrer, ser reencarnado e encontrar reencarnada uma das pessoas com quem vivo discutindo a reencarnação, dizendo que não acredito. E que não perderá a oportunidade de, todas as vezes que nos encontrarmos, gritar:

– Eu não disse?! Não vai dar para aguentar.

Também me imagino chegando ao Céu e descobrindo que é tudo exatamente como o descrevem os crentes, ou pelo menos exatamente como o descrevem as anedotas. São Pedro, o portão, os anjos, tudo.

– Eu não acredito no que estou vendo! – direi. São Pedro entenderá mal minha exclamação e dirá:

– Bacana, né? – Não. É que eu era ateu e não acreditava em nada disto. – E agora, acredita? – Claro.

– Então vai para o Inferno – dirá São Pedro, já levando o dedo ao botão que abre o alçapão.

– Mas, por quê? – perguntarei, espantado. – Adesistas não.

E tem aquela do cara que chega ao Céu e, enquanto preenche a ficha na recepção, vê passar dois barbudos conversando animadamente. Começa a perguntar:

– Aqueles dois não são...

– São eles mesmos – diz São Pedro. – Marx e Freud. Na sua caminhada matinal.

– Mas, eles aqui? – Qual é o problema?

– Era o último lugar em que eu esperava encontrar esses dois. Marx, o materialista ateu, que dizia que a religião era o ópio do povo. Freud, o homem que liquidou com a ideia da alma eterna. No Céu?!

– Bom, nossos critérios de admissão são flexíveis...

Nisso Marx e Freud começam a discutir em altos brados.

– O que é isso? – pergunta o recém-chegado.

– Você não conhece o velho ditado? Dois judeus, quatro opiniões diferentes.

– Mas eles parecem que vão se engalfinhar!

– Você devia ver quando Jesus caminha com eles. Aí ninguém se entende.

Outro cara chega ao Céu entusiasmadíssimo. “Que maravilha!” , diz, olhando em volta. A vida eterna. Paz para sempre. Tudo imutável e perfeito.

– É – diz São Pedro. – Mas você devia ver isto aqui nos bons tempos.

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