sábado, 17 de janeiro de 2009



18 de janeiro de 2009
N° 15852 - MOACYR SCLIAR


O farol de Capão da Canoa

No começo do século passado, viajar para a praia era uma aventura demorada e não isenta de riscos. As pessoas iam de carreta, em parte por causa da enorme bagagem (a viagem era uma verdadeira mudança), mas sobretudo porque não havia outro meio de transporte.

Na minha infância já se podia contar com linhas regulares de ônibus, mas a viagem ainda durava cinco horas, boa parte dela feita pela orla marítima, onde a probabilidade de atolar não era pequena. Mas a nós isso pouco importava. Capão da Canoa, para onde íamos uma vez por ano e por curta temporada, era um território de sonho, e à medida que dali nos aproximávamos crescia nossa excitação. O grande momento ocorria quando, do ônibus, avistávamos o farol.

Faróis são construções antigas. Numa época em que a navegação não podia contar com recursos eletrônicos, os faróis representavam, para os navios, segurança, proteção: na costa muitas vezes distante, ou oculta pelo nevoeiro, alguém estava pensando nos navegantes, alguém estava velando por eles. Na desolada costa gaúcha, na qual os navios não podiam contar com acolhedoras baías, os faróis eram ainda mais importantes, e havia vários deles entre Rio Grande e Torres.

Para nós, contudo, o farol tinha outro significado: mostrava que estávamos chegando, que a nossa viagem enfim terminava. Tendo chegado a Capão, habitualmente íamos até o farol, que naquela época ficava longe (ou pelo menos assim nos parecia) do Centro, ali onde estavam os hotéis, o Bassani, o Rio-grandense, o Atlântico, o Bela Vista.

Era uma boa caminhada. E ali estava o farol, alto, imponente. Não tinha faroleiro, o que sem dúvida faria crescer o fascínio do lugar, porque na ficção os faroleiros frequentemente são personagens enigmáticos, misteriosos, meio malucos até. Mas só o farol já bastava para mobilizar nossa imaginação.

Surgiu a Freeway, e o caminho para Capão já não passava pelo farol. Ao longo dos anos, minhas idas ao lugar foram se tornando mais raras. E mais perturbadoras. Cada vez que eu ia lá o farol estava menor, ou pelo menos assim me parecia. Já não era uma construção imponente; já não era um símbolo. Era o modesto suporte para uma lâmpada, verdade que potente.

Na virada do ano, e depois de muito tempo, voltei a Capão da Canoa e hospedei-me perto da Praça do Farol. Sim, o farol agora está numa praça, não mais em esplêndida solidão. E já não guia os navios. Tem lâmpadas no topo, mas estas servem apenas para iluminar a própria praça. Ou seja, o farol virou um poste comum, não sei se procurado pelos cachorros ou não.

A vida é assim mesmo: as coisas que, num momento nos parecem gigantescas, gloriosas, imponentes, no momento seguinte recolhem-se à sua insuspeitada insignificância – que tem paralelo em nossa própria insignificância.

Mas, para o menino do Bom Fim que eu era, o farol continua sendo mágico, como mágico era o mar, como mágicas eram as dunas, como mágicas eram as noites de Capão da Canoa, quando o gerador era desligado, a escuridão reinava – e só a luz do farol continuava brilhando solitária.

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