sábado, 31 de janeiro de 2009



01 de fevereiro de 2009
N° 15866 - VERISSIMO


A teoria do ralo

Seu nome é Jean-Paul Quelquechose e ele é o maitre de um hipotético restaurante na Cote D´Azur chamado, aliás, L´Hipotetique. Um velho observador do mar e das fortunas humanas, ele achava que as duas coisas se pareciam. Os ricos também vinham em ondas como o mar, e mesmo que quebrassem na costa como as ondas, atrás viriam outros, e outros e mais outros.

Cada onda era diferente, mas o mar era sempre o mesmo, assim como cada geração de ricos era diferente, mas a riqueza que as impelia para a praia, e para o seu restaurante, era constante e inesgotável. Podia subir ou descer como a maré mas não falhava. Jean-Paul já passara por períodos de preamar e baixa-mar das fortunas, já vira um nobre arruinado se matar na sua frente, derrubando um faisão flambado na queda, e uma jovem herdeira chorar dentro da bisque com a perspectiva da miséria, e uma vez fora obrigado a botar três magnatas falidos e suas mulheres a limpar peixe na cozinha para pagar a conta de um jantar. Mas atrás de cada rico em desgraça vinha um mais rico, onda após onda.

Agora não. Que Jean-Paul se lembre, a coisa nunca esteve como agora. As ondas não estão vindo, as ondas só estão indo. É como se o mar se retraísse. Como se o mar que ele via através dos janelões do seu restaurante se esvaziasse. Como se um ralo tivesse sido aberto no fundo do mar.

Foi o que Jean-Paul disse para seu entrevistador, que comentara o pouco movimento do restaurante em plena temporada de inverno.

A teoria do ralo.

– Só pode ser isso. Para onde foi todo o dinheiro? Só pode ter desaparecido por um ralo.

– Os ricos não estão mais vindo?

– Os ricos não são mais ricos.

– Não tem vindo ninguém?

– Personne.

– Nem os americanos?

– Muito menos os americanos.

– Nem os árabes?

– Poucos árabes. Mas dividem os pratos e não dão mais gorjetas.

– Ninguém mais tem dinheiro...

– É um ralo. Só pode ser um ralo.

– Esta crise, então, não é como as outras, Jean-Paul?

– Não é. Passei por todas as outras e sei. Esta é diferente. Esta vai ficar na História. Se houver História depois dela...

– Pelo menos você ainda tem essa vista bonita do mar da Côte, e agora com bastante tempo para contemplá-la.

– Não me fale. Quando olho o mar só consigo pensar no que ele tem de sobra e ninguém mais tem.

– O quê? – Liquidez.

– Bom, já vou indo. Obrigado pela...

– Epa, você não está esquecendo uma coisa?

– O quê? – Minha gorjeta. – Mas nós só conversamos, você não me serviu nada.

– E a filosofia?

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