terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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FIM DE CATIVEIRO

Era preciso agir rapidamente e com sangue frio. A situação tornara-se insustentável. Cláudia, Álvaro, Marcelo, Nilson e eu, com dois carros, sendo um deles uma camionete, resolvemos atuar juntos pelo bem de todos os reféns. Ontem, à tarde, entramos em ação depois de uma minuciosa fase de planejamento. Eu paguei o resgate.

Era meu dever. Sou um humanista. A culpa era minha. Eles me ajudaram a libertar cada um dos 600 infelizes que permaneciam em cativeiro há mais de três anos. Somos bons companheiros. Estabelecemos uma divisão do território com base no mapa de Porto Alegre que cada um de nós carrega naturalmente na mente.

Cobrimos, entre outros lugares, Bom Fim, Moinhos de Vento, Bela Vista, Lindoia, Sarandi, Centro e Cidade Baixa. Aconteceram libertações na Redenção, no Parcão, na Padre Chagas, na Pracinha da Encol, na Usina do Gasômetro, em cafés e paradas de ônibus.

Cada libertação era motivo de alegria. Eu me perguntava, no entanto, como cada libertado seria recebido pelo primeiro que o encontrasse. Haveria desconfiança? Medo? Maus-tratos? Permaneceria abandonado? Seria recolhido, tratado com carinho e levado para casa? Dormiria numa casa macia entre braços de alguma gata? Acabaria no quarto de um marmanjo?

Tudo isso me parecia melhor do que deixá-los na tristeza eterna do cativeiro. Agi com um único propósito: dar uma oportunidade de vida livre a cada um deles. Quem sabe não serão tocados, revirados do avesso, acariciados, amados e tomados como boas companhias? Não me iludo, claro. Poderá haver indiferença, desprezo, chacota e até ódio.

Conversamos sobre tudo isso. Ainda assim, com maturidade, concluímos que a libertação era a melhor saída. Negociei o resgate. Paguei o que me foi possível sem lamentar. Exultei ao vê-los espalhados por bancos de praça, cafés, paradas de ônibus, ruas, bairros distantes onde eu morei, como o Sarandi, e até na beira do rio. Liberdade, liberdade.

É comum esse tipo de cativeiro. Vivemos um tempo de obscurantismo. Já soube de casos em que a prisão durou mais de dez anos e terminou mal, com todos os reféns picados e vendidos a preço vil. Mundo bárbaro! Pode acontecer com qualquer um e pouco tem a ver com ideologia. É um tipo de sequestro pragmático, com aval do mercado e total apoio de revistas selvagens como a Veja.

A situação é tão grave que nem sequer dá notícia em jornal. Quanto mais tempo dura o cativeiro, maior o esquecimento. O cativeiro é a prova de que não se cativou. Cada um merece, portanto, o seu destino. Espero ter notícias de cada um dos libertados. Quero saber onde foram parar, o que lhes aconteceu, como foram tratados.

Ao final, brindamos para comemorar o fim do cativeiro. Os 600 prisioneiros que libertei eram de quatro famílias: 'Ela Nem me Disse Adeus', 'Adiós, Baby', 'Nau Frágil' e 'Para Homens na Crise dos 40'.

São meus livros. Dado que viviam em cativeiro, sem compradores apressados, resolvi distribuí-los pela ruas de Porto Alegre. Agora estão por aí em busca de leitores.

Talvez nunca os encontrem e acabem no cativeiro dos sebos. Não deixa de ser uma vitrine, ainda que menos valorizada por alguns do que as vitrines de shopping ou de aeroporto.

Foi maravilhoso ver a reação das pessoas, curiosas, por vezes, de olhos esbugalhados e quase sem crer no que estava acontecendo. Fico com a consciência tranquila. Fiz tudo para que os reféns vissem a luz do dia.

juremir@correiodopovo.com.br

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