quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

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29 de janeiro de 2009
N° 15863 - RICARDO SILVESTRIN


Lancheria Andorinha

Ele tinha cabelos compridos e barbas longas. Morava em frente à nossa lancheria, na avenida Getúlio Vargas, em Porto Alegre. Minha mãe o chamava nas internas de Jesus Cristo. Isso devia ser 1970. Eu tinha sete anos. Ele ia lá comprar cigarro, comer uma torrada, tomar uma batida. Muito tempo depois, fui descobrir que o cabeludo era o Caio Fernando Abreu.

Também havia outro cliente chamado Froes. Tomava umas cervejas e ia embora. Durante a minha infância, quando ouvia falar do Freud, pensava “Sim, conheço. Tomas umas cervejas lá na nossa lancheria”. Cresci um pouco e li O Ovo Apunhalado, do Caio. Depois, Pedras de Calcutá. Virei fã pra vida toda.

Quando lancei meu primeiro livro de poesia, Viagem dos Olhos, em 1985, fui à Feira do Livro com a minha bolsa de couro, sandália, calça jeans e camiseta Hering. Dentro da bolsa, o livro para dar de presente a algum escritor que eu admirasse.

No bar, estavam Caio e Ivo Bender conversando. Pedi licença e dei o livro para o Caio. Ele, muito simpático, folheou e perguntou se eu não queria sentar. Os dois estavam comendo pipoca. Ele me ofereceu. Aceitei e fiquei feliz da vida comendo pipoca ao lado deles.

Terminei de ler há pouco, na praia, o Triângulo das Águas. São três novelas do Caio, de 1984, relançadas pela L&PM. A primeira é Dodecaedro, que desenvolve o enredo contido num poema de Henrique do Valle, excelente poeta que se foi precocemente. A segunda é O Marinheiro; a terceira, Pela Noite.

Em todas, aquele universo de personagens alternativos, para usar uma palavra do início dos anos 80. Em Dodecaedro, uma casa habitada por 12 ripongas, cada um representando um signo do zodíaco.

Em O Marinheiro, um clima onírico no encontro de dois personagens, com um revelando o lado oculto do outro. Pela Noite, a mais crua, passada na noite de São Paulo, dois homossexuais num contraponto entre a afirmação e a negação da vida.

Caio tem a palavra exata, a frase com ritmo. A descrição que revela tudo por um ângulo novo. A visão de mundo dos grandes. Não é Cristo. Mas me salva.

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