sexta-feira, 23 de janeiro de 2009



23 de janeiro de 2009
N° 15857 - PAULO SANT’ANA


Propaganda enganosa

Uma cena de documentário animal foi colhida tanto em fotografia quanto em filme pelo fotógrafo Ronaldo Bernardi, no Parcão, pleno centro de Porto Alegre.

Disseram para o fotógrafo que as pombas estavam sendo devoradas pelos cágados do lago do Parcão.

Ele foi lá e com certeza depois de muita espera deu o flagrante, digno de um documentário do Animal Planet, o canal da Net que se ocupa da vida selvagem.

As pombas ficam ali na beira do lago, ciscando. Alimentam-se de insetos, sanguessugas, pequenos peixinhos que vêm até a beira do lago.

E nem se importam quando de dentro do lago irrompe a figura do cágado (tartaruga de água doce).

Atrevem-se as pombas a ciscar nas proximidades dos cágados, certamente enganadas pela lentidão do quelônio (as tartarugas são conhecidas, junto com as lesmas e as preguiças, como os animais mais lentos da natureza).

Mas a agilidade com que o cágado catapultou seu pescoço de dentro da carapaça até o pescoço da pomba e abocanhou a sua presa foi impressionante. Abocanhou e levou a pomba para dentro do lago, dividindo com os outros cágados a carne macia da pombinha sacrificada.

As tartarugas não têm dentes, mas suas maxilas, os ossos em que se implantam os dentes, funcionam como torqueses. A pomba, na visão do vídeo e da foto, foi trucidada pelo cágado.
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A impressão que aquelas pombas deram, indiferentes ao surgimento do cágado saindo do lago, foi de que as aves não possuem registro genético de perigo quanto ao cágado.

A pomba, não por acaso, é um símbolo de paz, ela se entrega candidamente aos outros seres, basta ver como nas praças as pombas convivem com as pessoas e ingenuamente vêm até comer nas mãos dos transeuntes.

Essas pombas precisam, não sei de que jeito, ser advertidas de que vão ser dizimadas pelos cágados.

Um biólogo disse ontem em Zero Hora que ninguém deve intervir nessa caçada: o rumo da natureza deve seguir normalmente. Segundo o técnico, o abate de pombas pelos cágados serve até para a regulação da população dessas aves.

Discordo humildemente, mesmo que tenha quase certeza de que estou errado: pomba não é presa habitual de cágado, o que está acontecendo é uma circunstância especial de desaviso das pombas do Parcão.

A prefeitura não está alimentando os cágados do lago e eles passaram a se constituir em perigo inédito para as pombas.

Os cágados se alimentam de animais mortos. Mas a crise anda tão forte, que agora eles passaram a atacar os vivos.

Os leitores devem ter notado que me posicionei em defesa das pombas.

Sei que na natureza existe a lei da convivência entre a presa e o predador, o ataque da primeira contra o segundo é um acontecimento natural que equilibra a ambiência natural.

Mas como não ter pena de uma pombinha que geneticamente trata de se precaver e proteger de cobras e aranhas, mas não dá nem bola para os cágados, inimigos novos que ela não cataloga como seus exterminadores?

Fiquei com pena das pombas. Elas têm o direito de morrer de velhas, como acontece com todos os pássaros, menos, é claro, com os que são atacados pelas aves de rapina. Mas cágado rapineiro é um expediente que certamente não está catalogado na ordem natural.

E cágado, que tem fama de lento, sendo rápido no bote certeiro contra a pomba, para mim não passa de sórdida propaganda enganosa.

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