terça-feira, 13 de janeiro de 2009



13 de janeiro de 2009
N° 15847 - MOACYR SCLIAR


Febre amarela: a lição de Drauzio

Está no Novo Testamento (Lucas, 4:23): “Médico, cura-te a ti mesmo”. A frase foi dita por Cristo em caráter metafórico, mas aplica-se perfeitamente à realidade: tradicionalmente, médicos não cuidam muito bem de sua saúde.

Um levantamento feito na Inglaterra mostrou que 57% dos doutores ouvidos não tinham clínico; embora 26% deles fossem portadores de alguma doença requerendo acompanhamento, preferiam automedicar-se do que consultar um colega.

Em termos de medidas preventivas, que incluem estilo de vida sadio, vacinas e exames periódicos, a situação era a mesma. Assim 55% dos doutores não se exercitavam adequadamente contra apenas 36% na população em geral.

Isto nos lembra o caso daquele que é certamente o médico mais famoso do Brasil, Drauzio Varella, que conheço e admiro há tempo e que, através da mídia, realiza um notável trabalho de educação em saúde. Pois em 2004 Drauzio fez uma viagem ao Rio Cuieras, afluente do Rio Negro, em função de um projeto por ele coordenado, de pesquisa de plantas com atividade anticancerígena.

Drauzio tratou de proteger-se contra os mosquitos, comuns na região, mas não fez a vacina contra a febre amarela. Não deu outra: naquele ano ocorreram cinco casos de febre amarela no Brasil e Drauzio foi um deles.

Adoeceu gravemente, com febre alta, dores, calafrios. Foi internado no Hospital Sírio-Libanês (SP), com diagnóstico de febre amarela. Seu caso (isto também é regra: doença em médico volta e meia complica) evoluiu mal. O fígado, atacado pelo vírus, funcionava precariamente, ele corria risco de ter hemorragias, e entrou em pré-coma, deixando o Brasil todo em aflito suspense. Mas felizmente restabeleceu-se..

Ao contrário da regra geral, Drauzio Varella cuida de sua saúde. Deixou de fumar há décadas, faz exames preventivos com regularidade, cuida da dieta, exercita-se: “Sou daqueles fanáticos que correm maratonas, corridas de 42 quilômetros para as quais há que treinar o ano inteiro”, escreveu.

Mas a verdade é que havia 20 anos ele não estava mais protegido pela vacina contra a febre amarela e não a renovou. “Bobeei”, foi sua honesta e lacônica conclusão.

Bom, agora temos febre amarela em algumas regiões do RS. É um problema crônico em nosso país, mas é um problema que pode ser controlado, como mostrou Oswaldo Cruz no início do século 20.

A febre amarela era tão frequente no Rio, que os navios estrangeiros se recusavam a aportar na então capital federal. Mas a campanha desencadeada pelo grande sanitarista reduziu de forma impressionante o número de casos. E notem que não existia vacina naquela época; a saúde pública só podia contar com o combate ao mosquito. A vacina foi um grande avanço.

Quem vai para as áreas de risco no RS deve se vacinar. É fácil: a vacina é aplicada em dose única e imuniza por 10 anos. Os efeitos colaterais graves são raríssimos, mas bebês e algumas pessoas não podem se vacinar – é só perguntar no posto a respeito. Vacinem-se, pois. O Drauzio Varella aplaudirá de pé.

A Troca, de Clint Eastwood, com Angelina Jolie, que vai corajosamente em busca do filho desaparecido, não apenas é um filme pungente, como mostra as duas faces da sociedade americana: de um lado, a hipocrisia de políticos, da polícia e até da ciência, representada por uma psiquiatria retrógrada e repressora; de outro, a coragem e a determinação de cidadãos que vão teimosamente em busca da verdade.

Uma duplicidade da qual tivemos vários exemplos nos últimos anos: o caso da prisão de Guantánamo, que Barack Obama promete desativar. Clint Eastwood, que começou como um ator de westerns amalucados, agora se consagra como um seguro diretor. Forte candidato ao Oscar.

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