sábado, 24 de janeiro de 2009



25 de janeiro de 2009
N° 15859 - DAVID COIMBRA


Salário: R$ 300 por mês

Uma época eu ganhava 300 reais por mês. Trezentinhos, já pensou? Estava escrevendo o livro sobre a história do Gre-Nal, e esse era o adiantamento mensal que a editora me repassava. A ideia era não viver só disso, tinha conseguido um bom frila fixo para complementar a renda, uma revista semanal de informação. Mas a revista entrou em crise, começou a atrasar os pagamentos e, de repente, lá estávamos só nós dois, eu e os 300.

Era uma maleza, isso que era. Uma vez fui entrevistar o Ortunho, o Ortunho morava perto do Planetário. Saí do IAPI, subi toda a lombona da Plínio, peguei a Carlos Gomes, desci a Carlos Gomes, desci, desci, desci, depois desci a Perimetral, desci, desci e cheguei à casa do Ortunho.

Entrevistei o Ortunho durante umas duas horas, ele era muito simpático e sorridente. Depois, subi a Perimetral, subi, subi, entrei na Carlos Gomes e desci a Carlos Gomes e desci e desci e desci, até chegar à Plínio e aí desci toda a lombona da Plínio e cheguei ao IAPI.

A pé. Fiz todo esse trajeto a pé! Não tinha dinheiro nem para a passagem do ônibus.

Maleza, maleza.

Mas sentia-me feliz. Sabe por quê? Por estar fazendo algo de que gostava, entrevistando antigos ídolos, escrevendo a história do futebol do Rio Grande do Sul, vasculhando o passado.

Sempre quis contar a história dos Gre-Nais, divertia-me com esse trabalho. Ao começá-lo, fiz questão de me concentrar numa época em especial: a do supertime do Inter dos anos 70. Havia acompanhado muito de perto aquele time, guardava a lembrança vívida de inúmeros de seus jogos. Precisava começar por ali.

Foi o que fiz.

Entrevistei quase todos aqueles grandes jogadores, alguns mais de uma vez. E constatei algo que explica o porquê de aquele time ser um supertime: a maioria dos jogadores era inteligente. Tanto que, dos titulares, só dois, Manga e Dario, não se tornaram técnicos. Eis uma regra do futebol: um time vencedor sempre tem jogadores acima da média intelectual. Exemplo rápido: o Grêmio multicampeão de Luiz Felipe. Pelo menos oito daqueles jogadores eram diferenciados pela forma como pensavam, além da forma como jogavam.

Um dos mais lúcidos luminares do Inter dos anos 70 era o lateral-direito Claudião Duarte. Foi também um dos que me contaram algumas das histórias mais interessantes daquela época. Como a do ponteiro-esquerdo Ortiz, do Grêmio. Ortiz era um argentino pequeninho, veloz, habilidoso e de drible curto, era capaz de driblar em cima de um único parquê. Acabou campeão do mundo em 78. Ortiz se irritava quando o técnico do Grêmio, Paulo Lumumba, mandava-o marcar o Claudião.

– Tu é que tens que me marcar – dizia para o Claudio nos Gre-Nais. – Não eu!

– Não te estressa – respondia Claudio. – Deixa que eu vou lá, dou uma cruzadinha e já volto.

Certa feita, antes de um Gre-Nal decisivo, Claudião torceu o tornozelo. Coisa séria, não poderia jogar. O técnico Minelli fez o seguinte: trancou-o na enfermaria com o massagista. Ele passou a semana inteira em tratamento, sem sair do clube. No dia do clássico, entrou em campo com uma bota de gesso protegendo o tornozelo.

Jogou, o Inter foi campeão. Depois da partida, quando foi tirar a chuteira, quem diz que conseguiu? O tornozelo inchara de tal forma que a chuteira entalou. O massagista teve de cortá-la a tesourada. No momento em que o pé ficou nu, BLOP, o tornozelo ficou do tamanho de uma manga e da cor de uma uva passa.

O episódio dá a dimensão da importância de Claudio Duarte para aquela equipe. Se para a torcida e para a maioria dos analistas ele aparecia como um coadjuvante, para o técnico e para os dirigentes era tão fundamental que precisava jogar um Gre-Nal de qualquer maneira, ainda que lesionado. E o Claudião não se furtava: jogava. Jogou. Venceu.

É esse mesmo Claudião Duarte que ora se apresenta para treinar de graça o Brasil de Pelotas nessa hora difícil. Muitos se surpreenderam com sua atitude generosa e abnegada. Eu não. Não é de hoje que sei quem é o Claudião.

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