sábado, 24 de janeiro de 2009



25 de janeiro de 2009
N° 15859 - MOACYR SCLIAR


De um diário romano

Roma me tem amor.” Esta frase é um palíndromo: lida de diante para trás ou de trás para diante é igual. Mas além de ser uma curiosidade gráfica, corresponde à realidade: Roma é uma cidade amável.

É amável pela inacreditável oferta cultural, artística, histórica, gastronômica; e é amável pela gentileza de seus habitantes.

Quem mora numa cidade grande, turística, geralmente tem pouca paciência para com os visitantes, que vêm em bandos, não falam o idioma, estão sempre desorientados e perguntam bobagens. Os romanos, porém, têm uma paciência incrível, e dão informações com a maior boa vontade (ainda que não com muita precisão; de vez em quando é preciso conferir).

Outra coisa que espanta os brasileiros: os motoristas respeitam a faixa de segurança, apesar do trânsito meio maluco, coisa, aliás, inevitável numa cidade milenar, cheia de ruelas estreitas e tortas. Dirigir em Roma exige uma habilidade especial, e veículos idem. Os carros têm de ser, antes de mais nada, pequenos, e alguns são até minúsculos, como o Smart, feito para dois passageiros.

Mas Roma é uma cidade para ser percorrida a pé. Por causa da dificuldade de locomoção, claro, mas também porque a maior parte dos lugares que a gente quer ver se concentra no centro histórico. E há muita coisa para ver em termos de história, em termos de arte. Afinal, estamos falando da cidade que sediou um império, que foi o berço do cristianismo e um dos centros mais importantes da arte renascentista.

A cada passo encontramos um monumento, um museu, um palácio: ali, os ricos eram ricos mesmo, e tinham muito bom gosto. O Palácio Pamphili, na Piazza Navona, onde funciona a embaixada brasileira, é não apenas uma maravilha arquitetônica, como reúne uma importante coleção de obras de arte.

Foi ali que se realizou o simpósio sobre dois escritores muito lidos na Itália, Machado de Assis e Guimarães Rosa, organizado pela embaixada e pela ABL, que contou com a participação de professores e intelectuais, tanto do Brasil como da Itália, e onde dei uma palestra sobre Machado, a medicina e a doença.

O auditório estava lotado, e apesar de o evento ter coincidido com a polêmica sobre a concessão do status de refugiado a Cesare Battisti (coisa que deixou muitos italianos furiosos; um ministro ameaçou acorrentar-se diante da embaixada, em sinal de protesto), foi um absoluto sucesso. Claro, o que torna o Brasil mais conhecido na Itália não é a literatura, é o futebol. Falcão é sempre lembrado – afinal, ele foi o Rei de Roma – e a discussão sobre a venda do jogador Kaká desperta paixões violentas.

Enfim, Roma é uma aventura (cara: o real desabou mesmo diante do euro) e é também um lugar para aprender muito acerca do passado. É impossível entender o nosso mundo, que apesar de tudo continua sendo um mundo de impérios, sem conhecer a história romana, assim como é impossível entender os aspectos culturais e artísticos da modernidade sem ir à Itália. A pergunta é: tanto passado, tanta beleza, não esmaga as pessoas?

Como é caminhar por lugares por onde passaram as legiões romanas, os mártires do cristianismo, os grandes artistas? Foi o que perguntei à minha tradutora. Ela foi sincera em sua resposta: “A gente nem presta mais atenção”, disse. O que é compreensível. O passado ensina, mas as pessoas precisam viver no presente. Júlio Cesar está morto e enterrado. Agora, trata-se de entender Berlusconi.

Mas passado ou presente, Roma é a glória. Uma glória amável, sorridente, e sobretudo belíssima.

Minha coluna de domingo passado sobre o farol de Capão da Canoa pelo jeito transformou-se numa sessão-nostalgia para vários leitores. Entre outros, escreveram-me sobre o tema Letícia Germano, Francisco Silveira, Helio Victor Gregol.

A Angela Veras Boff corrige-me: o farol de Capão tinha, sim, faroleiro, ninguém menos que o avô dela. Sobre o texto Dialogando com os Ladrões de Carro, o Diogo Duccatti é cético: não adianta proteger o veículo, porque os caras sempre descobrem um jeito de entrar nele.

E agora vejam a coincidência: o Ary Sachet, que esteve, como eu, na Itália, viu na cidade de Como um cartaz muito sugestivo. Dizia: “Al ladri della mia bicicletta: comprare le cosa costa fatica ma dà più satisfazione que rubarle”.

(“Aos ladrões da minha bicicleta: comprar as coisas custa trabalho, mas dá mais satisfação que roubá-las”). Tremenda lição de moral, Ary. Até um mafioso ficaria vermelho lendo essa. Raquel Kahan, Paulo Fogaça e Paulo Kleiman, entre outros, comentam o artigo que escrevi sobre o conflito de Gaza – também eles torcem pela paz. Como muitas outras pessoas, a publicitária Magali Moraes perdeu seu emprego.

Mas, diferentemente de outras pessoas, ela resolveu transformar o limão (bota limão nisso) em limonada e criou, na Internet, um blog com o título Diário de uma Despedida (http://euleiomagalimoraes.blogspot.com), já comentado pela Fernanda Zaffari contendo preciosas, e às vezes melancólicas, observações. Como a frase que lhe disse o filho pequeno: “Para nós, todos os dias são iguais, né, mãe?”.

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