
15 de janeiro de 2009
N° 15849 - L.F. VERISSIMO
Delícias de guerra
“Que delícia de guerra” era o título de uma comédia musical inglesa sobre a I Guerra Mundial, feita há alguns anos. Foi uma peça, depois um bom filme. Vista à distância, a guerra de 14 adquiriu um encanto nostálgico próprio para as comédias amargas.
A guerra dizimou boa parte da jovem aristocracia inglesa e do proletariado recrutado, foi um dos maiores exemplos de insensatez humana da História e seu único resultado real foi preparar o terreno para outra grande guerra mundial.
Mas, tanto na Inglaterra como nos outros países envolvidos, os soldados marchavam para o moedor de carne entre vivas e canções de multidões embandeiradas. O sentimento patriótico era comum, o entusiasmo era contagiante – e as canções eram ótimas. Descontados os milhões de mortos, foi uma delícia de guerra.
Na I Guerra Mundial fizeram a sua estreia – pelo menos em guerras de brancos contra brancos – o tanque, a metralhadora e o bombardeio aéreo. A II Guerra aperfeiçoou estas novas maneiras de matar e produziu outras, culminando com a apoteose da morte vinda do ar, a bomba atômica.
A bomba atômica teve três efeitos importantes, descontados os incômodos mortos de sempre. Decretou o fim da II Guerra e o começo da Guerra Fria. Mas também decretou que nunca mais teríamos guerras que poderiam, mesmo remotamente, serem redimidas, pela nostalgia ou qualquer outro tipo de absolvição.
A II Guerra, como a I Guerra, também mereceria o epíteto irônico de “deliciosa”. Foi uma “boa” guerra, que derrotou o fascismo, deteve (outra vez) os alemães, rearrumou o mundo a favor da hegemonia americana e deu as melhores histórias de uma geração. As bombas nucleares acabaram com a ideia, ou a ilusão, da guerra boa.
As duas guerras em que se meteram depois de Hiroshima e Nagasaki os americanos nem chamaram, oficialmente, de guerras. Houve uma “ação policial” na Coreia e uma intervenção no Vietnã e nos dois casos o uso do arsenal nuclear foi contemplado e descartado, porque o resultado prático não o absolveria.
O comedido “equilíbrio de terror” mantido entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria era o reconhecimento tácito de que não sobraria ninguém para fazer musicais sobre uma guerra atômica.
Hoje muitos países têm bombas nucleares ou, dizem, estão em vias de tê-las, e não se sabe bem até onde o comedimento resistirá ao fanatismo. Outra novidade em maneiras de matar, equivalente à bomba atômica no seu ineditismo, é o terrorista suicida, capaz de deflagrar ondas de retaliação e re-retaliação com um único gesto solitário.
O que parece não ter mudado nesses anos todos, a se julgar pelo que acontece no Oriente Médio, é o desprezo pelo número dos mortos. Esta tem sido uma constante histórica.
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