sábado, 24 de janeiro de 2009



PLÁGIO PSICOGRAFADO

Há quem pense que eu implico com Paulo Coelho. Eu só me interesso por sua fantástica história pessoal. É espetacular, por exemplo, a história do seu primeiro livro, 'Arquivos do Inferno', publicado em 1982. Fernando Morais, em 'O Mago', trata com alguns detalhes o assunto.

É uma das poucas passagens da biografia que não edulcora a imagem do biografado. Paulo Coelho, no segundo capítulo dessa obra excomungada de estreia, que tinha até um prefácio falso de Andy Warhol a uma suposta edição holandesa de sucesso, copiou certo Henrique Hello, autor de 'A Verdade sobre a Inquisição'. Divulgou, contudo, até a hora em que Torquemada ter-lhe-ia psicografado o texto.

O problema é que na hora citada, Paulo Coelho estava preso e algemado. Para um futuro mago, não devia ser impossível. O plágio psicografado foi um grande fracasso de crença.

Na época, Paulo Coelho era um homem de 35 anos desesperadamente em busca de sucesso. Hoje, 'Arquivos do Inferno' é figurinha muito difícil. Só colecionadores conseguem encontrá-lo, pagando caro. O livro de Hello também é raro, embora agora possa ser encontrado em http://catolicos.phpnet.us/blog/liber/inquisitio/index.html, site de uma corrente conhecida por afirmar que não há mais papas depois de Pio XII.

A brincadeira interessante, que Morais não fez por amizade, é revelar a dinâmica do plágio colocando os dois textos lado a lado. Paulo Coelho: 'Todo o êxito dos artistas de hoje se resume no fato sensacionalista de criticarem a Igreja. A heresia é romanceada, bajulada, apresentada de forma tal que sempre fica com o melhor papel da peça'. Hello: 'Todo o êxito duma certa crítica é criticar a Igreja.

Nos seus romances, a heresia atribui-se o monopólio dos sentimentos mais elevados e das mais puras virtudes; na cena, é ainda a heresia que representa invariavelmente o mais belo papel'. Que bela capacidade de psicografar!

Paulo Coelho: 'A má-fé de uns, os preconceitos de outros, fazem o inquisidor passar por um monstro'. Hello: 'A má-fé de uns, os preconceitos de outros, fazem passar o inquisidor por um monstro'. Assim vai ao longo das páginas. A dupla Coelho/Hello, como a dupla Paulo Coelho/Raul Seixas, era bastante afinada. Só que Hello não sabia disso.

A defesa da Inquisição era enérgica. Hello: 'O Santo Ofício, com uns 60 processos num século, ter-nos-ia poupado o espetáculo dum montão de cadáveres'. Paulo Coelho: 'O Santo Ofício, com apenas alguns poucos processos, terá poupado montões de cadáveres que poderão existir no futuro, caso nosso mundo continue dividido'. Coisas do passado e da luta por um lugar ao sol. Paulo Coelho converteu-se.

Já não plagia ninguém. No máximo, recomenda o sistema Caravaggio (retocar material produzido por outros) para os amigos biógrafos. Afinal, quando se tem pressa em terminar um livro, deve-se pedir ajuda a alguém que escreva rápido.

Não há muitos mistérios nos mistérios de Paulo Coelho. Vale qualquer coisa para vender muito e virar um fenômeno planetário. Não é de duvidar que a atual crise mundial tenha como ponto de partida a ascensão de Paulo Coelho. Numa perspectiva holística, tudo se interliga.

Quando o mundo se dobra ao 'talento' de um plagiário e inventa um sistema de crédito para quem não tem como pagar, o fim deve estar próximo. Eu aprendi muito lendo Paulo Coelho. Aprendi que a humanidade não é confiável. O mago é genial. Só um gênio faz um plágio tão vagabundo.

juremir@correiodopovo.com.br

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