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quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
22 de janeiro de 2009
N° 15856 - LETICIA WIERZCHOWSKI
Da desconfiança e do preconceito
A vida cotidiana no Brasil tem nos obrigado ao eterno exercício da desconfiança. Estamos tolhidos na nossa liberdade de ir e vir, vivemos trancafiados em casas com cerca elétrica e prédios com sistema antipânico, nossos carros segurados andam pelas ruas com o vidro fechado.
Porém, mais do que tudo isso, estamos trancados em nós mesmos: é preciso desconfiar do outro constantemente, ser discreto, não falar com estranhos. Dia desses, no entanto, presenciei uma cena triste – e digo triste além da tristeza disso tudo que expus acima. Foi num bom restaurante da cidade, num sábado ensolarado deste verão que resiste em partir.
Sentada numa mesa à janela, eu olhava a calçada onde outras mesinhas se multiplicavam: gente colorida alegre, confraternizando num dia bonito, comendo e bebendo sob os guarda-sóis.
Havia duas moças conversando, e uma delas deixara sua bolsa sobre a mesa. Era uma bolsa grande, marrom. Elas riam, falavam. Nisso, veio pela calçada um menino que vendia balas. Era um menino com uns oito anos, usando umas roupinhas puídas e labutando antes da hora, destino da maioria das crianças brasileiras.
Ele foi de mesa em mesa oferecendo suas balas, não sei se chegou a vender alguma. Quando o menino parou em frente da mesa em questão, a tal moça recolheu ostensivamente sua bolsa, enfiando – a num nicho da cadeira. Fez isso tranquila e naturalmente, bem na frente do menino, sem ter ao menos a dignidade de dizer não, obrigada, não quero balas.
Depois de alguns segundos de puro silêncio, o menino saiu, não sem perceber que, com seu afastamento, a bolsa marrom voltara ao seu lugarsobre a mesa do restaurante.
Ok, meninos pobres vendendo coisas no meio de um almoço são constrangedores. A gente sente pena, sente culpa, sente raiva do governo. Mas então que cada um guarde a sua bolsa bem a salvo dos seus preconceitos e medos: não é justo impingir a uma criança a pecha de provável ladrão.
Pois foi isso que eu vi, e o menino também viu. Ele não era digno de estar a um metro daquela bolsa; mas os outros, os comensais de classe média alta, esses eram.
Fui assaltada uma única vez na vida, num sinal de trânsito paulistano. O ladrão, que veio caminhando pelo canteiro da avenida, era um cara bonito e bem vestido, tanto que destoava dos pedestres que circulavam por ali.
Se houve preconceito meu? Pode até ser, o cara não tinha a menor pinta de ladrão. Mas, pelo menos, fui eu a vítima desse preconceito. Agora, cá entre nós, vamos deixar as crianças fora disso.
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