quarta-feira, 14 de janeiro de 2009



14 de janeiro de 2009
N° 15848 - MARTHA MEDEIROS


Vocação para se machucar

São 13 depoimentos de mulheres integrantes do Mada – Mulheres que Amam Demais Anônimas. Elas toparam conversar privadamente com a jornalista Marilia Gabriela, que soube dar um verniz literário para cada um dos depoimentos e os publicou no livro Eu que Amo Tanto, que é ilustrado por fotos do português Jordi Burch, idealizador do projeto junto com Gabi.

A primeira vez que ouvi falar do MADA foi através de uma novela, até então não imaginava que existisse tal coisa.

Não há como negar o valor da troca de experiências: se funciona nos Alcoólicos Anônimos, pode funcionar com essas mulheres, se considerarmos o amor excessivo um vício. Li os 13 depoimentos com o coração miúdo – achei o livro tristíssimo. Mas não vi amor nenhum ali.

Obsessão e descontrole são doenças sérias e merecem respeito e tratamento, mas batizar isso de “amar demais” é uma romantização e, de certo modo, um desserviço às mulheres e aos homens, pois fica implícito que amor tem limite, quando na verdade amar nunca é demais.

O amor é um sentimento que geralmente provoca ciúme e insegurança, é verdade, mas tem uma essência alegre e prazerosa, é motivador, estimulante e conduz a uma evolução do casal – se estacionar e conduzir a uma separação, é porque se transformou em um sentimento improdutivo.

O livro mostra, com um misto de delicadeza e perplexidade, exemplos de mulheres com autoestima abaixo de zero devido a rupturas familiares que deixaram cicatrizes abertas, escancaradas.

Os níveis de insegurança dessas mulheres são exagerados, amor é confundido com possessão e a perda de controle é total: elas se machucam, e se machucam mais, e mais, e acabam por viciar-se não no amor, e sim na dor.

É uma patologia, mas como se cura? Até onde sei, com psicoterapia e, se o caso exigir, com medicamentos. Mas essa espécie de terapia em grupo promovida pelo Mada não deixa de ser um paliativo para que essas mulheres não se sintam tão incomuns, até porque não são.

Ao ler esses relatos, somos convidados a ser voyeurs de situações que, num primeiro momento, provocam estranheza e piedade (“como alguém chega a esse ponto”?), mas, no fundo, esse ponto não é tão inalcançável a nós, que amamos “na medida”.

O amor que sentimos não é algo estanque e independente: as nossas carências, fantasias e idealizações são projetadas em todas as relações que vivenciamos, e sorte a nossa se os desajustes forem do tipo “normais” e se mantivermos um mínimo de consciência que nos sinalize a hora de cair fora.

Abrir mão de um envolvimento amoroso é uma espécie de morte. Aceitar o fim exige um mínimo de estrutura emocional, que é variável de pessoa para pessoa. Alguns tiram de letra, a maioria sofre e se recupera, e os menos afortunados tornam-se dependentes crônicos da autodestruição.

Não diria que esses últimos amam demais. Acho que amam pouco a si mesmos.

Aproveite o dia - Uma ótima quarta-feira para você.

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