terça-feira, 20 de janeiro de 2009


O Estado de S. Paulo - 20/01/2009

As agências violentadas

Depois de desmoralizar suas funções estatutárias, boicotar seu funcionamento e asfixiá-las financeiramente, o governo Lula, agora sem qualquer disfarce, passou a utilizar as agências reguladoras para acomodar seus interesses político-partidários.

No momento em que se acirra a disputa entre os dois maiores partidos de sua base, o PT e o PMDB, pelas presidências da Câmara e do Senado, encontrou a função política que deve considerar ideal para elas: transformou seus cargos em moeda de troca nas negociações para a composição das Mesas diretoras das duas Casas do Congresso.

É uma péssima função para um órgão cujos cargos devem ser preenchidos de acordo com critérios rigorosamente técnicos.

Para assegurar a permanência do PMDB na sua base de sustentação pelo menos até a eleição de 2010, o governo Lula está condicionando a indicação do novo conselheiro diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) - uma das mais importantes da área federal - à eleição de seus candidatos à direção das Mesas da Câmara e do Senado.

O critério do governo parece definido: o partido que perder a escolha será "premiado" com a vaga na Anatel. Assim, se o PT sair fortalecido, a vaga será de um nome indicado pelo PMDB.

Em caso contrário, se o escolhido na Câmara for o deputado Michel Temer (PMDB-SP) e, no Senado, um dos dois nomes do PMDB - José Sarney (AP) ou Garibaldi Alves (RN) -, caberá ao PT indicar o nome para a Anatel.

Esse cambalacho é mais uma demonstração do apetite da base política do governo por cargos públicos e do desprezo do governo Lula pela qualidade técnica das decisões das agências reguladoras.

Criadas na década passada para regular e fiscalizar a atuação de empresas privadas que assumiram funções antes exercidas pelo Estado, as agências foram criticadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de seu primeiro mandato, por causa de sua autonomia e de sua independência. Mas elas só cumprem bem seu papel se atuarem sem pressão do governo.

Mas o governo estende cada vez mais o seu controle sobre elas. As verbas orçamentárias têm sido sistematicamente retidas pelo Tesouro, em até 75% do total. A indicação de substitutos dos conselheiros que encerravam o mandato e não podiam ser reconduzidos foi retardada, razão pela qual algumas agências chegaram a ficar meses sem poder se reunir por falta de quórum.

Quando não retardou o preenchimento dos cargos, o governo preencheu-os de acordo com critérios meramente políticos, o que resultou em arrastadas negociações entre os partidos da base governista.

Por falta de acordo entre eles, a estratégica Agência Nacional do Petróleo (ANP) chegou a ficar quase um ano sem presidente efetivo. Afinal, foi escolhido o nome de Haroldo Lima, indicado pelo PC do B.

Agora, como mostrou reportagem do Estado de domingo, quem manda nas agências é a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, apontada como a favorita do presidente Lula para concorrer pelo PT à sua sucessão, e que já vem atuando como candidata. No ano passado, ela indicou seu antigo assessor especial Bernardo Figueiredo para a presidência da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

É responsável também pela escolha, já oficializada, de seu antigo chefe de gabinete no Ministério de Minas e Energia, Nelson Hubner, para substituir Jerson Kelman na presidência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A ministra já cuida de escolher os nomes que substituirão os conselheiros que encerrarão seus mandatos nos próximos dois anos.

De um total de 47 conselheiros diretores das dez agências, 29 terão de ser substituídos até o fim do mandato do presidente Lula. Três desses cargos são de presidente - das Agências Nacionais de Cinema (Ancine), de Saúde Suplementar (ANS) e de Águas (ANA).

Dá para contentar muitos parceiros políticos, mas, quanto maior for o êxito político da ministra, pior pode ser para o País: a qualidade técnica e a confiabilidade do trabalho das agências reguladoras, essenciais para garantir serviços públicos adequados e assegurar investimentos de longo prazo, poderão ser comprometidas.

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