Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
30 de janeiro de
N° 15864 - DAVID COIMBRA
A menina na rua
Lá estava eu, rodando a cinquentinha por hora com minha caranga pela Praia de Belas, e rolou um Police no rádio do carro, e tudo ia muito bem, só que havia aquela mulher conduzindo uma criança pela mão, no lado direito da rua, sobre a calçada. Ela e a criança, uma menina de uns cinco anos, pararam às franjas do meio-fio, esperando para atravessar a avenida.
Não cheguei a olhar diretamente para elas, só tive a percepção de que se encontravam ali, mas foi o suficiente para ver que, num átimo de segundo, a menina se desprendeu da mãe e se arremessou para o meio da avenida. Correu com suas perninhas finas, estacou na pista em que vinha o meu carro e virou-se de frente para o para-brisa.
Uma menina magrinha. Cabelos pretos presos por um passador, pele clara e acho que olhos castanhos. Estava dentro de um vestidinho de jeans e usava algo amarelo por baixo, uma camisa, talvez.
Meu carro estava a cerca de sete metros de distância quando afundei o pedal do freio com o pé direito. As rodas deslizaram em sua direção. Cingi com força as mãos no volante e atirei as costas para trás, de encontro ao banco, como se a força dos meus braços ajudasse o carro a parar. Olhava fixamente para ela e ela me encarava também, fitava-me no fundo dos olhos, calma, imóvel.
Enquanto o carro zunia rumo ao atropelamento certo, lembrei de um caso que meu avô sempre me contava. Um amigo dele tinha dois filhos pequenos. Um dia, passeava com os dois meninos, um em cada mão, perto dos trilhos de trem que rasgavam o bairro Navegantes.
Pois, à aproximação do trem, ambos os meninos, sem combinação prévia, sem falar nada, sem nem sequer se olhar, libertaram-se das mãos do pai e correram para baixo das rodas de aço do trem. O pai perdeu os dois filhos de uma só vez. Enlouqueceu de dor.
Não sei como, mas tive tempo de recordar essa história e de pensar que as crianças fazem isso, elas se atiram da janela, elas mergulham sob os pneus do caminhão. Aquela menina mesmo. Por que ela fez aquilo? Podia ter continuado sua corrida e parado a salvo, no canteiro. Mas não. Imobilizou-se exatamente no caminho do carro. Por quê?
Percorri creio que uns dois metros enquanto pensava tudo isso. Faltavam cinco, e meu pé ainda fincava o pedal no fundo do piso, e a menina ainda me fitava com placidez, os bracinhos largados ao longo do corpo, relaxada, parecia até feliz.
Quatro metros, e o olhar dela era profundo, ela não piscava, ela apenas aguardava. Três metros, eu queria gritar, mas a menina continuava sem mover um músculo, tranquila, uma estátua de sandalinha de plástico. Dois metros, a mãe gritou da calçada. Um metro, e rilhei os dentes, e todos os meus músculos se retesaram de horror.
A vinte centímetros dela, quem sabe menos, o carro parou.
Abençoada seja a tecnologia. Abençoados sejam os freios ABS.
Em um segundo, a mãe colheu-a da rua sem olhar para o carro, puxou-a pela mão, xingando com o dedo em riste. Fiquei parado, um pé no freio, outro na embreagem, sem saber o que pensar.
Da calçada, a menina ouvia a censura da mãe aparentemente sem se importar. E ainda me olhava, a cabeça virada por sobre o ombro, aquele olhar sereno e perturbador. Por que aquela menina pulou para a rua? Por que me olhava daquele jeito? Ainda penso nessas perguntas. Ainda não sei quais são as respostas.
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