sábado, 24 de janeiro de 2009



25 de janeiro de 2009
N° 15859 - MARTHA MEDEIROS


Batalha entre duas generosidades

Quando vejo reportagens femininas que buscam desvendar o que as mulheres levam na bolsa, sempre me surpreende a falta de um objeto de uso fundamental. Está lá o batom, o celular, o iPod, mas e um livro?

Nem pensar? O mercado editorial já assimilou a potencialidade dos pockets books e, até onde sei, eles vendem bem. Como não venderiam? São pequenos, baratos e oferecem títulos de primeira. Eu sempre carrego um dentro da bolsa, porque nunca se sabe quando terei que encarar uma fila ou uma sala de espera.

O último livro que andou partilhando a intimidade da minha bolsa foi A Felicidade Conjugal, de Tolstoi. Com essa obra, o russo, além de exterminar de vez a discussão boba sobre diferenças entre literatura feminina e masculina (a gente jura que é uma mulher escrevendo), consegue revelar de forma brilhante (e ao mesmo tempo, perturbadora) o segredo que mantém tantos casais unidos: homens se sacrificam, mulheres se sacrificam, e fica mais tempo junto o casal que tiver o maior potencial de generosidade.

Parece, mas não é uma notícia alentadora. É literariamente bonito, daria uma boa novela das seis, mas, de minha parte, meu sonho não é um homem que sacrifique seus desejos em detrimento dos meus, e vice-e-versa.

O que Tolstoi define elegantemente como uma “uma batalha entre duas generosidades”, nós, os mundanos, chamamos de “concessões”. Essa palavra mais sugere uma batalha jurídica do que de generosidade, mas é tudo a mesma coisa.

Óbvio que temos que conceder. O tempo inteiro, desde que nascemos. A começar pelo âmbito familiar, ainda que nesse ringue as regras sejam criadas coletivamente.

Mas quando casamos com o senhor fulano de tal, ou com a dona sicrana da silva, que vieram sabe-se lá de onde e amparados por quais fundamentos, a concessão vira o calcanhar de Aquiles do contrato. Ele adora dançar, você odeia música alta. Ela adora natureza, você não suporta passarinho. Mas se amam, olha que situação. Quem cede quanto?

A felicidade conjugal só sobrevive quando os dois dão sua cota de sacrifício da forma menos dolorida possível. Ninguém morre se tiver que dançar um pouquinho ou se tiver que passar um final de semana no sítio, isso é cláusula previamente acertada e nem comporta a rigidez da palavra “sacrifício”.

Mas e se você tiver que enfrentar uns “nunca mais” pela frente? E se os seus sonhos de juventude tiverem que ser enterrados? E se o seu trabalho ficar comprometido? E se sua vida virar um palco e você tiver que assumir um personagem 24 horas por dia?

E se sentir saudades de alguém que você já não é mais? Não pense que isso é dramatismo. É mais comum do que se imagina. Tem pessoas que renunciam a si mesmas e só percebem isso quando não há mais retorno possível.

Generosidade, mesmo, é você permitir e incentivar que o amor da sua vida seja exatamente como ele é, e ele retribuir na mesma moeda, sem querer mudar você nem um naquinho assim.

Mas esse romance ainda está para ser escrito.

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