sábado, 17 de janeiro de 2009



18 de janeiro de 2009
N° 15852 - PAULO SANT’ANA


Balanço da vida

Eis-me aqui, chegado o fim da noite, a examinar minha vida em todos os detalhes. O que fiz de bem, o que fiz de mal, o quanto tinha de ter feito mais de bem, o quanto tinha de ter evitado de causar o mal.

A verdadeira arte da vida é viver. E não há vida sem sofrer. Não importa que soframos, enquanto estivermos sofrendo temos a garantia de que estamos vivendo.

Tem sido dura a caminhada, mas ela não teria sentido se não fosse penosa, áspera, ingrata, quase intransponível.

Eis-me aqui, passado mais um dia, traçando o balanço da minha vida. É quase um milagre, ainda estou vivo, isto é o que importa.

Estou purificado pela vida, é possível que não tenha atingido meu ideal, nem sei se o tive.

O que interessa é que resisti. E que ainda resta lugar para a esperança.

O que importa é que muitas vezes comovi os outros e ainda tenho forças para continuar me comovendo.

As lágrimas formam os melhores momentos da minha vida. Senti-me humano quando as derramei por dor. Senti-me aproximado de Deus quando as verti por alegria.

Sem as lágrimas, minha vida não teria sentido. Sem as lágrimas de sofrimento, desespero e desamparo que a vida me submeteu, sem as lágrimas de emoção que consegui provocar nos outros, minha vida não teria sentido.

Nem graça teria a vida se não houvesse a ingratidão. Quando topamos com a ingratidão, isso nos deve servir de incentivo a que façamos outra obra de bem.

Não teria graça a vida se não trombássemos com a inveja. A inveja é a mais clara demonstração de que fomos bem-sucedidos.

Infelizes os homens que não conviveram com a inveja, eles podem considerar que suas vidas foram inúteis.

Nem atração nenhuma teria a vida se tivéssemos, como tolamente pretendemos, longos períodos de felicidade. A vida se tornaria mais ainda tediosa do que já o é, se fôssemos ditosos.

Neste fim de noite de intensas reflexões, quase atinjo a verdade da vida: o que me move, o que me sustenta é essa incerteza de como será o dia de amanhã. Isso é que me anima, é possível que amanhã ou depois de amanhã um amigo, um parente, todas as pessoas com quem convivo reconheçam finalmente que lhes quis bem e não fiz outra coisa senão querer-lhes bem, embora não tivesse sido compreendido.

Se eu tivesse que pedir uma última coisa à vida, solicitaria que ela me concedesse antes de morrer que os meus circunstantes reconhecessem que fui um tipo inesquecível.

Mas tem de ser antes de morrer. Para que eu possa morrer em paz. Eu preciso que as pessoas próximas de mim se assegurem de que eu faço falta a elas antes de morrer. Depois de morrer, pouco se me dá que eu faça ou não falta às pessoas próximas de mim.

Mesmo sem esse propósito, construí minha vida na esperança de que eu fizesse falta às pessoas.

Só se os outros sentissem a minha falta, a necessidade de mim, a imprescindibilidade de mim, minha vida teria adquirido sentido.

Eu necessito vitalmente de que as pessoas sintam saudade de mim antes de eu morrer. Eu tenho de ter a certeza de que as pessoas tenham lembrança boa de mim enquanto estou vivo.

Minha vida terá sido um lastimoso fracasso se ninguém sentir falta, saudade ou lembrança de mim. Mas enquanto eu estiver vivo. Depois que eu estiver morto, mesmo os meus sofrimentos e dedicações mais ridículos se tornarão respeitáveis.

Eu almejo respeitabilidade em vida. Só assim considerarei que minha vida valeu a pena.

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