sexta-feira, 16 de janeiro de 2009



16 de janeiro de 2009
N° 15850 - JOSÉ PEDRO GOULART


Verdades e mentiras

A imagem do mágico cujo truque não funciona direito é bem conhecida. Sempre tem uma criança que descobre e aponta para algo errado durante o número, e todos vaiam, ou riem, o que é pior. A mentira foi descoberta. O bom é que não fosse.

Em F for Fake, o Orson Welles especula sobre a verdade e a mentira. O filme mistura ficção e documentário, só que muitas vezes ficamos sem saber o que é um ou outro; a maior parte do tempo, inclusive, ele conta a história de um falsificador de arte, cuja obra é tão boa que praticamente é impossível saber qual a cópia e qual o original.

Welles, ele mesmo um falsificador – um mestre na mentira e na ilusão – já havia causado histeria na população americana ao transmitir pelo rádio o anúncio de que os Estados Unidos estavam sendo invadidos por marcianos; na verdade ele encenava A Guerra dos Mundos, uma novela de ficção científica.

Aqui em ZH há um questionário destinado a famosos. Uma das perguntas é a seguinte: “Em que situação vale a pena mentir?”. As respostas – acompanho sempre – variam entre “nunca” ou “só se for para proteger alguém”.

Ninguém diz “sempre”, que seria a resposta menos mentirosa. Eu, você, sabemos – o Orson Welles, velho zombeteiro, sabia ainda mais – que a verdade é uma ilusão. E o carvão da ilusão é a mentira.

Mentimos, fingimos, enganamos. E queremos que nos mintam, queremos ter fé. É na ilusão de que o outro irá nos redimir que reside a paixão, por exemplo. A paixão acaba quando termina a idealização. A verdade é chata. A imagem do mágico cujo truque dá errado é a de um cara triste, um cara que não sabe mentir direito.

E também mentimos porque precisamos, para evitar uma auto-consciência que nos massacraria, ou porque sequer sabemos onde é que fica a tomada que nos conectaria à verdade absoluta. Em última análise, mentimos porque cada um de nós é um projeto fictício de si mesmo.

A nos redimir, o dedo infantil que aponta o truque errado do mágico ou que revela que o rei está nu: a famosa verdade verdadeira das crianças. Minha filha, por exemplo, tem cinco anos e me disse o seguinte: “Papai, quando eu crescer tem três coisas que eu não quero que aconteçam comigo: casar, morrer e ter um nariz igual ao teu”.


Jaime Cimenti

Maridos e amantes

Balzac disse que era mais fácil ser amante do que marido. Talvez por isso ele só tenha se casado com a condessa polonesa Éveline Hanska lá pelos cinquenta anos, quando já estava gravemente enfermo. Amante fica mais no bem-bom, horas boas, coisa e tal. Marido é vinte e quatro horas. Não está fácil ser marido nesses dias que parecem ter trinta horas.

Se o cara vive mais em função dos filhos, paizão e tal, a mulher reclama que quer mais atenção, que a vida conjugal está indo pro espaço etc. Se o maridão não liga para as crias e se liga só na patroa é porque é pai ausente e desalmado.

Se o esposo capricha nos cuidados com o corpo, a alma e as roupas, a mulher começa a indagar o que está acontecendo e se o malandro está riscando fora da caixa.

Se o cara anda desleixado com o visual, aí é chamado de relaxado, descuidado e tal. Se o marido se preocupa muito com trabalho, grana e futuro é porque é dinheirista, materialista, miserável e maníaco. Se gasta todo o dinheiro e mais um pouco é porque é irresponsável e não se preocupa com a mulher e os filhos.

Se o cara fica em casa toda noite, é presença ignorada. Se vai à rua, é ausência notada. Se não dá conversa para os amigos e parentes, é porque é antipático, frio. Se agrada demais, é enxerido. Se o cara chora, se mostra fraco e sensível, não pode. Se dá soco na mesa, fala alto e encrespa, é um grosso.

Se não dá palpite nenhum dentro de casa, é porque é desligado. Se opina muito, é metido e convidado a ficar quieto.

Se vai muito no médico e toma tudo quanto é remédio, é hipocondríaco, exagerado. Se não se cuida, é porque não gosta o suficiente de si, da mulher e dos filhos. Se o sujeito fala coisas simples, superficiais, é tido como simplório.

Se fala sério demais, é chato, papo horroroso etc. Claro, claro, há que procurar o ponto de equilíbrio, afinal, a felicidade até existe, falou o Roberto Carlos. Mas aí o maridão vai ser chamado de mauricinho, certinho, equilibradinho, quadradinho, sem graça.

Não é mole, não é? Lá pelo quarto milênio, as coisas talvez se acomodem entre o sol e a lua. Mas como disse o Vinícius, a vida é a arte do encontro e é preciso seguir se encontrando do jeito mais gostoso.

De mais a mais, a vida, o mundo e as pessoas devem ser mais amados, sentidos e vividos do que propriamente entendidos. É verão, chega de filosofança. Como disse, também o Vinícius, a vida tem sempre razão. Viva! Vá à vida! Com ou sem equilíbrio.

Fui! (Jaime Cimenti)

Nenhum comentário: