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terça-feira, 27 de janeiro de 2009
27 de janeiro de 2009
N° 15861 - MOACYR SCLIAR
É o SUS – ou é a pobreza?
Na semana passada um estudo realizado pelo Instituto do Coração de São Paulo e publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia deu manchete em vários jornais do país. Segundo a pesquisa, pacientes que sofreram infarto do miocárdio e são atendidos pelo Sistema Único de Saúde, SUS, têm 36% mais chances de morrer do que aqueles que são acompanhados por médicos particulares ou de convênios.
Lendo esta frase, leitores, qual é a conclusão que se tira de imediato? Que o SUS não funciona, vocês dirão; que é um sistema ruim, precário. Mas será que é mesmo?
Indo um pouco adiante no trabalho descobrimos que na fase de internação a proporção de óbitos é praticamente a mesma nos dois grupos. A mortalidade maior em pacientes do SUS ocorre após a alta, quando a pessoa retorna a seu ambiente habitual. E isto enseja uma reflexão não apenas sobre infarto do miocárdio, como sobre o Brasil em geral.
Em primeiro lugar é preciso dizer que, por paradoxal que pareça, uma maior mortalidade por doença cardíaca pode ser sinal de progresso – um progresso meio estranho, mas progresso de qualquer jeito. No passado, os brasileiros pobres não morriam de infarto, porque nem chegavam à idade em que o problema ocorre: faleciam antes, não raro na infância, de desnutrição, de diarreia, de doença respiratória.
A expectativa de vida cresceu, e cresceu nos países ricos e pobres. As mortes por desnutrição e por doenças infecciosas, causadas por micróbios, diminuíram. Mas isto tem um preço.
Viver mais não quer dizer viver de forma mais saudável. O pobre hoje tem mais comida, mas é comida calórica, gordurosa – pobre não come salmão nem caras saladas, nem frutas. Pobre fuma mais, e pobre é mais sedentário – passou a época em que trabalho implicava necessariamente movimento e trabalho físico, e academia de ginástica não é para qualquer um.
Pobre tem menos acesso à informação sobre saúde, pobre consulta menos, às vezes porque não tem sequer como pagar a condução que o levará ao posto de saúde. Aliás, temos evidências disto em nossa própria cidade de Porto Alegre: um trabalho recentemente realizado pelos doutores Sérgio L. Bassanesi, Maria Inês Azambuja e Aloysio Achutti mostrou que a mortalidade precoce por doença cardiovascular foi 2,6 vezes maior nos bairros mais humildes da Capital.
Tudo isto explica a conclusão a que chegou o simpósio internacional sobre desigualdade em saúde reunido em Toronto, Canadá: “A pobreza, e não os fatores médicos, é a principal causa de doença cardiovascular”.
Um artigo publicado no importante periódico médico Circulation salienta o fato de que 80% dos óbitos por doença cardíaca ocorrem em países pobres e acrescenta: “Os fatores de risco para doença cardiovascular aumentam primeiro entre os ricos, mas à medida que estes aprendem a lição e corrigem o estilo de vida os riscos concentram-se nos mais pobres. A suscetibilidade para esses problemas também cresce por causa do estresse psicológico.”
Quando falamos no estresse psicológico não podemos esquecer aquele que está se tornando cada vez mais frequente, o desemprego. Vários estudos mostram que problemas cardíacos são mais comuns em desempregados.
Estas coisas não diminuem a responsabilidade dos serviços de saúde, públicos ou privados, ao contrário, aumentam-na. A questão da informação e da educação em saúde hoje é absolutamente crucial.
SUS e sistemas privados não são antagônicos, são complementares. É claro que a tarefa do SUS é muito maior – afinal, o sistema atende cerca de 80% da população – e é mais difícil: este é um país pobre, que tem poucos recursos inclusive para a saúde. Mesmo assim, e o próprio trabalho o mostra, estamos no caminho. Apesar de tudo, as coisas melhoram.
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