sexta-feira, 5 de setembro de 2008



05 de setembro de 2008
N° 15717 - RICARDO SILVESTRIN


O museu do Iberê

Não está na figura a emoção. Um quadro pode ser figurativo, ter alguma coisa que exista no mundo, colocada na tela, e não provocar nada. Pode ter apenas riscos, cores, camadas de tintas, e despertar na gente alguma sensação.

Fui ver a exposição com a trajetória do Iberê Camargo no museu que leva o seu nome. A gente vai descendo do quarto andar até o primeiro. Passa pelas rampas. Entra em salas maiores e menores. Vê obras de épocas diferentes. Desde as escuras, enormes.

Manchas de tinta marrom ou preta. Formas que parecem ainda estar tentando se compor ao vivo, na nossa frente. Como se desde que foram criadas ainda não tivessem encontrado sua imagem definitiva. Em outras, objetos precários surgem no meio das massas de cor escura.

Contrasta, no meio do caminho, uma série de paisagens, de córregos, de cidades pequenas, vilas. A vida visível fora da tela transposta para a pintura. E, claro, ao virar pintura, massas de cores verdes, volumes, luzes. Ali, temos outro pintor no mesmo.

Mas o choque de emoção vem forte nas séries finais. As criadas já nos últimos anos de vida de Iberê. Figuras humanas, sobretudo, velhos e velhas. Muitas vezes andando de bicicleta. Nus.

Com uma liberdade de quem não tem mais nada a perder. Nem a ganhar. Os próprios títulos dizem algo assim “tudo te é falso e inútil” .Ou uma mulher sentada, entregue, com o título de “a idiota”. Mas não se trata de juízo de valor, de crítica.

E sim de uma idiotice que é comum a todos. Nosso lado desamparado. O vazio que corre por baixo de tudo e contra o qual lutamos a vida toda.

Até chegar o momento, além da maturidade, em que o vazio se mostra como o único sentido. A liberdade do sem sentido da vida. Os riscos, as massas de cores, a habilidade figurativa, o domínio dos processos das artes visuais, tudo isso está concentrado ali.

Mas a sabedoria humana se une ao repertório do artista. E o resultado é uma tela cheia de vida. Pulsa. Respira. Emociona. Mostra quem somos.

Não é uma figuração nem um retrato da realidade. Até porque não vemos velhos pelados andando de bicicleta pelas ruas. É arte: a forma disso que não tem forma e que nos faz humanos.

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