sexta-feira, 5 de setembro de 2008



05 de setembro de 2008
N° 15717 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Dos cinco sentidos

Dos meus sonhos, nenhum é tão dramático quanto o de me achar em meio a uma grande cidade sem poder ver. Isto é, vejo silhuetas, sombras, traços, de vez em quando os faróis de um carro me ferem os olhos, mas é tudo.

Tento falar com as pessoas sobre minha aflição, mas nenhuma delas presta atenção no que digo.

E então me pergunto se essa não será a forma mais cruel de solidão.

Estou na mesma cidade e caminho entre as gentes. É quando me surge uma mulher dotada de tão esplendente beleza que, encantado, decido tocá-la.

Nada mais do que um afago em seus braços, um beijo em sua face, um abraço em seu corpo. Mas a mulher, lindíssima, se desvia de mim com graça e eu fico tateando o ar.

E aí me pergunto se esse não será o modo mais completo de incomunicabilidade.

Ainda na grande cidade. Existe um aroma de mistério no ar. Uma dama exala um perfume que me cativa. Busco me aproximar e no entanto ela se esquiva. E a cada passo que se distancia, maior é a suavidade de sua fragrância. É quando percebo que será assim para todo o sempre.

Pois a essência de que está envolta é a chave do teorema do distanciamento.

Ouço uma música suave, em que parecem se conter todas as músicas, mas não atino de onde me chega. Do grande café da esquina? Da janela do terceiro andar daquele palácio gris? Do quarto onde uma menina e moça inaugura seu primeiro diálogo com as teclas de um piano?

Nada sei, a não ser a noção ou o sentimento de que esta música foi composta para mim em uma oferenda de amor.

Em um mínimo cálice, me servem um mágico licor. É tão inebriante que o universo se transforma ao meu redor e conheço as profundezas de cada enigma, e nenhuma região da sabedoria me é vedada e domino as respostas a cem mil questões.

E de repente me bate uma iluminação do mundo, a chave que decifra todos os mistérios, mas descubro que me encontro em meio a uma grande cidade sem poder ver, a não ser as sombras e os silêncios de nossa comum aventura pela vida.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana ainda que com chuva neste sul do Brasil.

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