sábado, 6 de setembro de 2008



06 de setembro de 2008
N° 15718 - CLÁUDIA LAITANO


Janelas abertas

Muita gente que tem filhos pequenos deve se perguntar de vez em quando como a maioria de nós conseguiu chegar relativamente intacta à idade adulta com os pais despreocupados que tínhamos em casa. Eram tempos inconseqüentes aqueles.

Vivíamos em apartamentos sem redes nas janelas, andávamos de automóvel, no banco da frente, sem cinto de segurança, comíamos bolacha recheada sem um farelo de culpa, e o pediatra só recebia nossa visita em caso de doença grave – e olhe lá. É bem mais complexo gerenciar a segurança dos filhos hoje em dia.

Minha geração enfrenta com a paternidade não apenas as mudanças de hábitos trazidas por “perigos novos”, como a falta de segurança ou a exposição da privacidade na Internet, e toda a logística que eles nos obrigam a montar dentro e fora de casa.

Os “perigos de sempre”, cair da janela, se machucar com a batida de um carro, comer porcaria, é que não eram consideradas ameaças tão concretas na nossa infância – ou assim nos parecia.

Há nesses cuidados dos dias de hoje – a rede, o cinto, a dieta balanceada – uma boa dose de esforço civilizatório bem-sucedido.

A ciência e as estatísticas dos hospitais nos ensinaram a desconfiar dos inimigos ocultos que ameaçam nossas crianças, e isso, em princípio, é bom. A maneira como esses cuidados se estabelecem no dia-a-dia, no entanto, pode variar da precaução inteligente a uma espécie de histeria da calamidade.

Talvez você reconheça o tipo. O histérico da calamidade é aquele pai ou mãe que vê ameaças ocultas em tudo, na pipoca, no vento encanado, na grama, na areia e em todas as inevitáveis contrariedades que o filho possa enfrentar dentro e fora de casa.

São pais tão paranóicos que às vezes chegam a dar bronca nos próprios pais – que obviamente não sabem cuidar tão bem das crianças como nós, a geração que inventou as tomadas com tampinhas.

Certos exageros na proteção das crianças acabam falando muito sobre algumas particularidades da nossa época. Vivemos em famílias em que as crianças ficam mais tempo longe dos olhos e ouvidos naturalmente atentos de mães e pais.

É compreensível que uma mãe que passa o dia inteiro trabalhando se sinta insegura sobre os cuidados que o filho está recebendo e até sobre a própria habilidade para detectar os “perigos ocultos” que nossas mães e avós pareciam evitar com tanta tranqüilidade.

Somos pais de meio expediente e mesmo com poucos filhos para criar – a média no Brasil já é de menos de dois filhos por casal – a tarefa nos parece, às vezes, grandiosa demais. Por isso, talvez, os cuidados exagerados, uma espécie de compensação para a falta de tempo para estar mais presente.

Mas, como dizia o Paulo Francis, até os paranóicos têm inimigos de verdade. No ano em que a imagem da menina Isabella sendo jogada do sexto andar de um edifício entrou para o imaginário macabro do país, as notícias sobre crianças caindo de janelas tornaram-se assustadoramente freqüentes – foram três casos nas últimas semanas.

É como se o bicho-papão saísse da fantasia e ganhasse as manchetes dos jornais. Não apenas porque essas notícias chamam a atenção para o perigo real de deixar crianças pequenas perto de janelas abertas, mas porque a dolorosa realidade da negligência é a manifestação extrema daquela incapacidade de proteger os próprios filhos que assombra, mais ou menos conscientemente, boa parte dos pais nos dias de hoje.

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