terça-feira, 2 de setembro de 2008



02 de setembro de 2008
N° 15714 - LUÍS AUGUSTO FISCHER


Conversar com mortos

Termino de ler um livro lindo: Aqui nos Encontramos, do inglês John Berger. Já o conhecia de outras jóias, como The Seventh Man, um livro com textos dele e fotos de Jean Mohr, lançado em 1975 e já ocupado – repare a data – com as massas miseráveis de migrantes que acorriam à Europa em busca de trabalho.

Também conhecia de um livro de ensaios que não sei se existe em português, Cada Vez que Decimos Adiós, em que Berger vai de Jackson Pollock à história do cinema, de Esopo aos mineiros desesperados da Inglaterra, do cotidiano mais trivial ao Giotto mais sublime, tudo escrito com delicadeza, fluência, pertinência e genuína generosidade.

Que ele é imperdível, era já evidente; mas sua ficção eu mal tinha começado uma vez, num romance que não me arrebatou (Hacia la Boda). Agora dei de cara com Aqui nos Encontramos numa livraria e o levei comigo.

Horas magníficas de convivência, que dá pena quando acabam. Apresentado como uma mescla de ficção e autobiografia (parece que é recorrente em sua obra ficcional), há nele um protagonista, John, que viaja muito, conhece várias cidades com intimidade, pertencendo de fato a lugar nenhum.

O primeiro capítulo relata um passeio seu por uma praça de Lisboa, observando a paisagem e as figuras, até que se fixa em uma senhora, sentada em um banco.

Ela tem um ar meio conhecido; ela se levanta e vem em direção a John; e este, com alguma hesitação mas de peito aberto, percebe tratar-se de sua mãe. Mãe que já estava morta havia uns quinze anos, e que ali comparecia para conversar com o filho.

Por que, sendo inglesa, estava ali, em Lisboa? Ela argumenta docemente: “Esta não é uma cidade, meu garoto, que fode a si mesma”, nas palavras da tradução.

O vocabulário é meio grosseiro (e a sintaxe meio ruim), mas ela é uma boa e velha mãe, com quem o agora velho John tanto aprendeu, passeou, conheceu a vida, que viu preparar comidas e dar algum (não muito) carinho.

Depois ele vai Genebra e ao túmulo de Jorge Luis Borges, a Cracóvia, onde John vai reencontrar outro de seus mortos, a Madri. Vai sem peso, sem culpa, sem fantasia de restauração:

como uma série de encontros profundos, que cada um de nós tem vontade de realizar a cada tanto da vida, para conferenciar com figuras queridas que já estão dentro de nós e só por isso nos são acessíveis.

Nenhum comentário: