terça-feira, 2 de setembro de 2008



PHILIP GLASS, O HOMEM

Existem experiências antropológicas que não dependem de palavras.

Ou, ao menos, contentam-se com uma linguagem não verbal. Conversa fiada? Não necessariamente.

Dei um pulo ao Salão de Atos da PUC, ontem pela manhã, para ver Philip Glass, que estava lá para gravar um curta, um vídeo, enfim, uma entrevista dirigida por Camila Gozatto. Eu queria ver o homem. Deve ter sido a primeira vez na minha vida em que senti desejo de ver um homem pela sua condição de homem.

Quer dizer, pela sua condição humana. Trocando em miúdos, queria examinar o personagem, ter uma idéia do seu tamanho, do seu jeito, da sua roupa, da sua maneira de mexer as mãos e de encarar os outros. Fiquei, no fundo do palco, em posição contemplativa.

Do outro lado, às costas de Glass, as poltronas vermelhas do auditório reluziam. Tentei achar um significado para essa relação de imagens. Não consegui. Nunca me interessei o bastante por semiótica.

Lá estava o famoso Philip Glass, um dos músicos mais importantes do mundo, conhecido pelo seu minimalismo radical, sob o olho atento das câmeras. Respondia as questões com uma voz mansa, suave, quase apagada, mínima.

Não tive muito tempo para as minhas observações, pois havia uma agitação nos bastidores. O tempo estava esgotado. A estrela era esperada em outro lugar para outra entrevista.

Do meu privilegiado ponto de vista, o palco parecia ainda maior. No meio dele, apoiado num belo piano, estava o homem. Focalizei o seu rosto. Afigurou-se um pouco pontudo. Sabem, claro que sabem, um rosto de raposa.

No bom sentido. Continuei o meu exame das suas características físicas. Notei, de imediato, uma proeminência, um volume mal disfarçado, uma massa – ainda que não propriamente indecente – perceptível a olho nu. Era a sua barriga.

Foi a minha primeira constatação relevante: é possível ser uma sumidade universal do espetáculo com uma barriguinha de homem sem qualidades. Senti um alívio. E alguma esperança.

Rapidamente, eu me desiludi. Minha barriguinha é muito menor que a dele. Rigorosamente falando, nem tenho barriga. Ou, no máximo, uma barriga minimalista.

Ele estava com um pé sobre o outro e cheguei a pensar que ele não tinha uma perna. Isso não passou de um delírio. Não gostei mesmo foi da camisa que ele vestia.

Era azul. Acho. Não sou bom com as cores, ainda mais agora, que a publicidade inventou mais umas 3 mil tonalidades. Mas dava para chamar de azul aquele azul com umas listras verticais mais escuras.

Tenho a impressão de que a sua barriga ficava mais acentuada por causa daquela camisa inadequada. Estou convencido de que ele ficaria melhor com alguma cor cítrica. Perderia um pouco de consistência.

Já fui consultor de tendências. Por duas horas. Sei do que estou falando. Não o ouvi tocar. Senti que havia uma grande intimidade entre ele e o piano. Glass passava a mão no instrumento como quem apalpa uma nádega feminina ou um seio sem silicone.

Ao final, tirou uma fotografia com a equipe de filmagem, deixou que lhe abotoassem a maldita camisa e saiu lépido para a tarefa seguinte.

Fiquei satisfeito com o que vi e tirei a minha segunda conclusão relevante: aquele homem, se não fosse tão importante e célebre, poderia muito ganhar a vida como vendedor de carros usados ou de seguros de vida. Ganhei o dia.

Aprendi muito sobre a inexistência de relação entre a fama artística e o biótipo dos indivíduos. Ampliei minhas fronteiras do pensamento.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima terça-feira, ainda que com previsão de chuva outra vez

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