sábado, 6 de outubro de 2007



06 de outubro de 2007
N° 15387 - A Cena Médica | Moacyr Scliar


A forma do mundo

Uma recente edição brasileira da Scientific American - periódico científico de excelente qualidade - está dedicada à situação nutricional em nosso mundo. Um mundo que, diz o pesquisador norte-americano Barry M. Popkin em um dos artigos, é redondo.

Trata-se de uma bem-humorada metáfora sobre um problema sério e que se agravou muito nos últimos 20 anos: o problema do sobrepeso e da obesidade, que é um grau mais avançado do sobrepeso.

O que é surpreendente. Durante muito tempo, o grande espectro, em matéria de alimento, era a fome. E um dos grandes estudiosos do problema da fome foi o médico pernambucano Josué de Castro, cujo centenário de nascimento será lembrado no ano que vem.

Há exatamente 60 anos, em 1947, Josué de Castro publicava Geografia da Fome, uma vibrante e bem fundamentada denúncia do problema da fome, que teve repercussão mundial e ajudou a colocar o problema da fome como uma prioridade da saúde pública.

O tempo passou, e a situação mudou. Hoje, quase um bilhão e meio de pessoas estão acima do peso. Os obesos são quase o dobro dos desnutridos. O México, diz Popkin, é o grande exemplo disso. Em 1989, menos de 10% dos mexicanos tinham sobrepeso. Essa proporção subiu, em 2006, para 66% (homens) e 71% (mulheres).

Isso não acontece por acaso. As pessoas estão comendo mais e estão comendo errado, muito errado. O mundo está inundado de refrigerantes calóricos, de "junk food", alimento que não nutre mas engorda. Graças aos subsídios governamentais, caiu o preço de alimentos de origem animal, ricos em gordura.

E depois temos os fatores de ordem cultural. Gordura sempre foi vista como sinal de beleza, de robustez e, em muitos lugares e grupos sociais, isso ainda é assim.

Pobres já podem comer bastante, mas os pobres não têm acesso às caras frutas e verduras, à assistência nutricional, às academias para fazer exercício. Ou seja: obesidade está se tornando coisa de pobre (como o é, em grande parte, o cigarro).

A obesidade não é, claro, um problema exclusivamente estético. Está associada ao diabetes, às cardiopatias, a várias outras doenças, graves e crônicas. E isso representa uma sobrecarga para o poder público. A China, observa Popkin, já gasta 6% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com doenças crônicas associadas à nutrição errada.

É muito bom que o mundo seja redondo. Foi baseado nesse princípio que Colombo empreendeu a sua famosa viagem.

Mas não é muito bom que o corpo das pessoas seja redondo. Como Colombo, precisamos empreender uma nova viagem, não em busca de nova terras, mas de um novo estilo de vida, que dê às pessoas mais alegria e, sobretudo, mais saúde.

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