quinta-feira, 4 de outubro de 2007



04 de outubro de 2007
N° 15376 - Luis Fernando Verissimo


Contra-invasão

Podem me chamar de monstro, mas às vezes me divirto com a possibilidade de que não seja apenas outra lenda urbana que os celulares destroem, aos poucos, o cérebro de quem os usa.

Seria um consolo saber que a pessoa da mesa ao lado que discute seus negócios, ou o furúnculo da tia Djalmira, aos berros no celular está fritando o próprio cérebro.

E que não demoraria muito para que nós - eu e os outros 17 que resistiram - herdássemos a Terra e voltássemos a nos comunicar civilizadamente, de preferência com silenciosos sinais de fumaça.

No meu caso, é verdade, a implicância com o celular vem de uma certa incompatibilidade com novidades tecnológicas. Decidi que não podia continuar sendo um ignorante numa era de tantas revoluções, mas que meu aprendizado deveria ser sistemático, começando com os mecanismos mais simples e progredindo até chegar à cibernética.

E empaquei na torneira. Seria até desonesto tentar entender como a última notícia sobre o furúnculo da tia Djalmira dá a volta ao mundo em ondas a partir de um minúsculo celular se recém entendi como funciona a tesoura.

Mas o fato é que precisamos protestar contra a invasão do nosso espaço auditivo pela vida alheia, assim como não-fumantes começaram a protestar contra a invasão dos seus pulmões pela fumaça dos cigarros dos outros e estão ganhando a sua guerra contra o que já ouvi chamarem, com tétrica ironia, de "unearned cancer", ou câncer imerecido.

Os anticelulares têm menos argumentos do que os antifumo na sua luta, pois fumantes podem apelar para a História em defesa do seu vício invasivo.

Nem Hitler, nem Mussolini, nem Franco e nem, presumivelmente, o imperador Hiroíto fumavam. Hitler não só não fumava, como o combate ao fumo fazia parte do programa nacional de saúde nazista. Já Roosevelt fumava com piteira, Stalin fumava cachimbo e Churchill não largava o charuto.

As reuniões dos três para traçar os destinos da guerra e planejar o que fazer depois da vitória se realizavam sob grossas nuvens de fumaça.

Quer dizer: na última grande guerra de verdade, a que decidiu quem ficava com o mundo, os fumantes ganharam! Não são poucos os fumantes que vêem nas atuais campanhas contra o tabagismo um certo revanchismo fascista.

Sei lá. O fato é que não quero ouvir mais nenhuma notícia da tia Djalmira, a menos que eu peça.

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