quarta-feira, 3 de outubro de 2007



03 de outubro de 2007
N° 15385 - Martha Medeiros


Tudo que eu queria te dizer

A recente greve dos Correios me fez lembrar da nossa ansiedade quando, num tempo nem tão remoto assim, víamos o carteiro entrar na nossa rua. Vibrávamos com a iminente chegada das cartas de amigos, parentes e namorados, principalmente de namorados.

Hoje, as greves atrasam a entrega de coisas consideradas mais importantes, como documentos, contas e encomendas materiais, ou seja, correspondência anti-sentimental, já que cartas pessoais, escritas a caneta ou lápis, viraram peça de museu.

Passou a ser um recurso utilizado apenas por homens e mulheres que não dispõem de um computador e que nem cogitam entrar num cybercafé.

Ainda recebo, uma vez na vida e outra na morte, cartas escritas à mão pelos leitores, e fico sem ação: como faço para responder?

Ora, bastaria pegar um papel, escrever, envelopar, selar, ir até uma agência dos Correios e remeter - lembro como se faz. No entanto, pra quem se acostumou com a instantaneidade do e-mail, enviar uma carta se transformou numa via-crúcis.

Mesmo rendida à correspondência virtual, que dinamiza e facilita de forma estupenda a vida da gente, sigo cultivando uma certa nostalgia pela carta, aquele calhamaço em que depositávamos nossas ridículas palavras de amor, chegando a cometer poemas e decorá-los com ingênuos corações no lugar dos pingos nos is. Esquece, acho que nunca fiz isso.

Cartas em que contávamos detalhes sobre nossa viagem ao Exterior, quando o Exterior parecia bem mais longe que agora. Cartas contando da nossa vida em outra cidade, um relato minucioso dos novos hábitos e das surpresas da troca de rotina.

Cartas com fotografias em meio às páginas, cartas com pétalas arrancadas afoitamente de um jardim estrangeiro, cartas com notas de dinheiro - pais sempre ajudam financeiramente os filhos, imaginando que eles estão comendo mal fora de casa.

A carta era um abraço. Era uma comunhão. Uma prova inquestionável da importância que o destinatário tinha para o remetente. O e-mail até permite isso tudo, mas é tão instantâneo que o afeto fica sem pompa, a sinceridade parece gratuita, a ligeireza extingue a dedicação que o ato de escrever merece. Carta, ao contrário, é um esforço. E o esforço dignifica.

Pois escrevi um livro de cartas. Inventei personagens e situações, e reuni seus dramas em relatos fictícios, onde misturo afeto e solidão, humor e dor.

Cartas longas, cartas de pessoas vivendo uma situação-limite, valendo-se da urgência do desabafo. Emoções que perderiam o impacto e o foco se escritas num e-mail veloz.

O livro chama-se Tudo que eu Queria te Dizer. Autografo hoje, às 19h, na Livraria Cultura do Bourbon Shopping. Convido você a violar essa correspondência.

Uma excelente quarta-feira, Dia Internacional do sofá e que já terá uma temperatura de verão por aqui.

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