quarta-feira, 3 de outubro de 2007



03 de outubro de 2007
N° 15385 - Diana Corso


Violência de faz de conta

Já foi estudado um fato interessante: quando a cultura americana edulcorou a produção para as crianças, criou histórias edificantes e pueris, elas não tiveram dúvidas, migraram em massa para os desenhos animados japoneses. As crianças foram em busca do que necessitavam para elaborar suas fantasias agressivas.

Nos últimos anos, muito se pesquisou sobre o efeito do mundo virtual no mundo real da criança. Nenhuma correlação foi encontrada, a gênese da violência está em outro lugar.

A agressividade nutre-se do abandono na infância, que costuma ser bem real, é uma forma de arrancar à força do ambiente tudo aquilo de que se necessita para ser alguém. Mas não adiantaram os estudos, é habitual atribuir às fantasias para crianças, com seu sangue de mentira, a origem da violência em que estamos mergulhados.

Movidas por essas premissas, há alguns dias, professoras resolveram censurar um livro infantil do Ernani Ssó, chamado O Espelho da Bruxa (Editora Paulinas). É uma história divertida, na qual um menino resolve ir para o quarto dos pais no meio da noite e é seqüestrado por uma bruxa que o arrasta para dentro do espelho da penteadeira.

Lá, ele se vê transformado num monstro, no meio de uma família-monstro e acaba fazendo picadinho de seus pais monstros. A história começa com uma cena banal da infância de todos, que um dia (ou vários) fomos contemplar nossos pais dormindo, escutar ou espiar pela sua porta.

Ora, o que as crianças imaginam do quarto dos pais é algo que dá muito pano para manga. Os embates sexuais noturnos, com seus corpos entrelaçados e gementes, sua agitação violenta, parecem monstruosos para um olhar novato.

E mesmo que uma criança nunca tenha pilhado o casal no meio da festa, ela certamente vai juntando suas pistas e construindo suas teorias sobre as atividades bizarras deles. O autor apenas brincou com as coisas estranhas que uma criança pensa que acontecem no leito parental...

Quando eu era pequena e alguns adultos insistiam em me contrariar, eu costumava ter pensamentos nada fofinhos, nos quais me livrava dos meus inimigos com requintes de crueldade. Jamais me ocorreu que algo de ruim fosse acontecer com meus seres queridos em função disso, eu sabia diferenciar minha imaginação da realidade.

Freud dizia que a antítese do brincar não é o que é sério, mas o que é real. Minhas ameaças letais aos inimigos ocasionais eram sérias, mas eu sabia que eram fantasias, portanto, irreais.

Crianças são arrumadas e limpinhas como ursinhos carinhosos, mas, queiramos ou não, elas também gostam muito de andar sujas, de aventuras bruscas, padecem de insônias e pesadelos e têm fantasias sexuais.

Para todas essas conjugações da infância, são necessários monstros, histórias de matar e morrer e alguma violência.

Além disso, ser pequeno é uma experiência constante de frustração e impotência, haja fantasias de magia, superpoderes e muita ação para compensar tudo isso!

Para saberem-se amadas e cuidadas, elas precisam sentir-se compreendidas, sem ter que fingir que são os queridos pôneis.

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