terça-feira, 2 de outubro de 2007



02 de outubro de 2007
N° 15384 - Luís Augusto Fischer


Pedro II revisitado

Não me passa pela cabeça outra hipótese que a república, como forma de organizar a vida do país, mas confesso que mudei muito minha opinião sobre o que ocorreu no reinado de D. Pedro II. O motivo foi a ótima biografia de José Murilo de Carvalho, lançada este ano (D. Pedro II, Cia. das Letras).

O autor já trouxe para o cenário da historiografia brasileira contribuições de relevo, especialmente sobre a segunda metade do século 19, o que significa que, no livro agora em causa, ele nadou na mesma água, com grande proficiência.

Do ângulo psicológico, a vida do segundo imperador brasileiro começou pesada: nascido em 1825, primeiro filho homem de D. Pedro I a sobreviver (o sétimo fruto de sua mãe), ficou órfão dela com um ano de idade, e aos cinco viu seu pai retornar a Portugal, ficando ele como imperador do jovem país. Imperador sem poder, mas criado para exercê-lo. Quando tinha nove seu pai morreu, pai que ele nunca tinha voltado a ver.

A mãe era uma austríaca austera, e o pai um português de modos mais ou menos libertinos. Quanto completa 14 anos, é alçado ao poder, em 1840, e fica nele por nada menos que 49 anos. "Órfão da nação", por ela parece ter nutrido sentimentos de fidelidade e dedicação muito apreciáveis.

Tornou-se um homem culto, casou mal (o agente real que foi à Europa tratar de arranjar esposa nobre não se saiu bem), teve uma amante querida por muitos anos.

Criou filhos que, ao que tudo indica, não o encantaram como possíveis sucessores - Isabel, aquela da Lei Áurea, era a primeira na ordem da sucessão, mas o pai tinha muitas reservas políticas e ideológicas, dado que a filha era católica ultramontana, enquanto ele manteve uma posição bastante mais avançada.

Carvalho sugere que D. Pedro não fez tudo o que podia para barrar o avanço da campanha republicana.

Mas o que mais me encantou saber, para além desse homem fascinante como indivíduo, tem a ver com seu jeito de tratar a coisa pública. Em todo o reinado, nunca aceitou aumento da dotação orçamentária para a casa real (que começou em 1840 representando 3% da despesa nacional e, em 1889, baixou para 0,5%!);

financiava suas viagens ao exterior com sua própria dotação, e dela também retirava parte para financiar artistas em viagens de estudos (assim foi com Carlos Gomes e Pedro Américo, por exemplo);

por duas vezes propuseram erguer estátuas dele, e nas duas ele recusou; e nunca deu título de nobreza a qualquer sujeito ligado ao tráfico de escravos.

O leitor, como eu, faz as contas e percebe que seu exemplo não prosperou muito, ao largo da república.

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