HÉLIO
SCHWARTSMAN
A velha e o
caolho
SÃO
PAULO - "Esta velha é pior que o caolho." A frase do presidente
uruguaio José Mujica sobre os Kirchner não poderia ser mais inadequada. Com
apenas sete palavras, ele insultou uma chefe de Estado e o seu marido já morto.
Só o que desculpa parcialmente Mujica é o fato de ter feito o comentário,
transmitido ao vivo numa página da web, quando pensava falar em privacidade.
O
uruguaio perdeu uma boa ocasião de manter a boca fechada. Podemos ir mais longe
e afirmar que as exigências da diplomacia o transformam num hipócrita,
levando-o a elogiar pessoas de que não gosta.
Embora
faltar com a verdade seja uma prática condenada de forma mais ou menos unânime
por religiões, sistemas de Justiça e pela cultura popular, pesquisadores que
investigaram o fenômeno descobriram que ela está mais profundamente inscrita em
nosso DNA do que gostaríamos.
Para
começar, a fraude é onipresente na natureza. Das pintas do leopardo à
camuflagem do louva-a-deus, relações de predação e parasitismo são quase sempre
mediadas por algum tipo de engodo. Bebês aprendem a manipular as mães com choro
antes de conseguirem falar.
A
gafe de Mujica prova que pequenas mentiras são fundamentais para a vida em
sociedade. Elogiamos a comida de nossos anfitriões mesmo que seja intragável.
Não revelamos a nossos interlocutores todas as nossas impressões sobre eles.
Personagens anormalmente sinceros, como o príncipe Míchkin, protagonista de
"O Idiota", de Dostoiévski, acabam atraindo desgraças para si
próprios.
Há
quem sustente que ludibriar o próximo com o objetivo de galgar posições
hierárquicas foi uma força tão ou mais importante que o uso de ferramentas ou o
cozimento da comida a moldar a evolução humana. É a hipótese da inteligência
maquiavélica. Se ela é correta, Mujica, mesmo que por acidente, cometeu o maior
pecado possível para um político, que é dizer o que realmente pensa.
helio@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário