domingo, 7 de abril de 2013


HÉLIO SCHWARTSMAN

A velha e o caolho

SÃO PAULO - "Esta velha é pior que o caolho." A frase do presidente uruguaio José Mujica sobre os Kirchner não poderia ser mais inadequada. Com apenas sete palavras, ele insultou uma chefe de Estado e o seu marido já morto. Só o que desculpa parcialmente Mujica é o fato de ter feito o comentário, transmitido ao vivo numa página da web, quando pensava falar em privacidade.

O uruguaio perdeu uma boa ocasião de manter a boca fechada. Podemos ir mais longe e afirmar que as exigências da diplomacia o transformam num hipócrita, levando-o a elogiar pessoas de que não gosta.

Embora faltar com a verdade seja uma prática condenada de forma mais ou menos unânime por religiões, sistemas de Justiça e pela cultura popular, pesquisadores que investigaram o fenômeno descobriram que ela está mais profundamente inscrita em nosso DNA do que gostaríamos.

Para começar, a fraude é onipresente na natureza. Das pintas do leopardo à camuflagem do louva-a-deus, relações de predação e parasitismo são quase sempre mediadas por algum tipo de engodo. Bebês aprendem a manipular as mães com choro antes de conseguirem falar.

A gafe de Mujica prova que pequenas mentiras são fundamentais para a vida em sociedade. Elogiamos a comida de nossos anfitriões mesmo que seja intragável. Não revelamos a nossos interlocutores todas as nossas impressões sobre eles. Personagens anormalmente sinceros, como o príncipe Míchkin, protagonista de "O Idiota", de Dostoiévski, acabam atraindo desgraças para si próprios.

Há quem sustente que ludibriar o próximo com o objetivo de galgar posições hierárquicas foi uma força tão ou mais importante que o uso de ferramentas ou o cozimento da comida a moldar a evolução humana. É a hipótese da inteligência maquiavélica. Se ela é correta, Mujica, mesmo que por acidente, cometeu o maior pecado possível para um político, que é dizer o que realmente pensa.

helio@uol.com.br

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