13
de abril de 2013 | N° 17401
CLÁUDIA
LAITANO
Madonna e os
meninos
A imagem tem a composição clássica de uma pintura
renascentista: a luminosa figura da madonna é o centro para o qual todos os
outros elementos do quadro convergem. A madonna, neste caso, não é “uma”
madonna, mas “a” Madonna. E as crianças não são anjos, mas meninos pobres do
Maláui.
Divulgada
há alguns dias pelas agências de notícias, a fotografia de Madonna cercada por
crianças africanas é como aqueles passatempos em que se procuram os sete erros
em uma imagem. Há algo fora do lugar ali, embora não seja fácil apontar as
incoerências sem deter-se alguns minutos nos detalhes da foto.
Uma
imagem não é apenas uma imagem, mas todo o repertório de informações prévias
que evoca. Olhando Madonna sentada no chão em um dos países mais pobres do
mundo, é impossível não pensar em tudo o que sabemos sobre ela, sobre
celebridades, sobre filantropia.
De
alguma forma, todas essas informações vão sendo processadas em nosso cérebro
até que chegamos a um veredicto íntimo que nos faz : a) ficar indiferentes, b)
desconfiar dos interesses por trás da foto, c) achar que Madonna é uma pessoa
bacana, d) ficar com pena das crianças pobres, e) pensar que também deveríamos
estar fazendo trabalho voluntário.
Não
sendo uma pessoa de natureza cínica, daquelas que vê intenções ocultas por trás
de qualquer gesto de generosidade aparentemente desinteressado, fiquei
incomodada com essa fotografia.
Há
algo naquela roupa branca, naqueles joelhos dobrados sobre a terra escura, no
olhar indiferente das crianças em contraste com o olhar estudado da visitante,
nas risadas dos adultos no fundo da foto, na gratuidade do gesto de sentar-se
em meio a crianças sem interagir com elas, que grita para o espectador: “Oi,
você sabe quem eu sou e agora sabe também que sou tão legal, que nem me importo
de estar aqui sujando a minha calça branca”.
Celebridades
usam o trabalho voluntário como uma espécie de Omo Total da imagem pública. Não
há nada que limpe uma barra e tenha um efeito tão imediato quanto uma boa
fotografia de um astro sujando os sapatos na terra escura do mundo real. Por
outro lado, não há divulgação mais eficiente para uma causa humanitária do que
associá-la a uma celebridade. É um toma lá dá cá que pode, sim, beneficiar
ambos os lados – e é preciso ser pragmático com relação a isso.
Mas
para que a imagem de uma pessoa comprometida com causas sociais se consolide,
como nos casos de Audrey Hepburn, Lady Di e agora Angelina Jolie, não basta uma
viagem ao Haiti e um sorriso. É preciso persistência e consistência, qualidades
que nem todos os samaritanos de ocasião conseguem desenvolver – o que me parece
ser o caso de Madonna.
No
Brasil, que está longe de ter uma cultura de trabalho voluntário regular e
organizada, as empresas mais antenadas começam a dar importância a esse tipo de
experiência na hora de contratar funcionários. É um outro tipo de toma lá dá cá
– e pode ajudar o país a começar a usar o seu enorme potencial de solidariedade
de forma mais sistemática.
E
mesmo isso pode ser produto, em parte, da visibilidade que as celebridades vêm
dando ao trabalho voluntário. De
coração ou não.
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