quarta-feira, 3 de abril de 2013



03 de abril de 2013 | N° 17391
PAULO SANT’ANA

O motorista faltoso

A melhor receita para sermos justos com os outros é, quando temos um impasse com alguém, colocarmo-nos no lugar desse alguém.

Entre mil coisas que evitaremos, existe muitas vezes o fato de exigirmos piedade e compreensão para nós e não concedermos isso para os outros.

Há milhões de situações em que é sensato nos colocarmos no lugar dos outros.

Outro dia, fui até a Fronteira Oeste de ônibus de linha. Era evidente que o motorista do ônibus em que eu viajava estava fazendo ultrapassagens arriscadas e imprimia excesso de velocidade nas curvas.

Antes de chamar a polícia rodoviária para corrigir o motorista, como eu sou uma pessoa muito conhecida, vários outros passageiros me escalaram para tomar uma providência.

Não me esquivei, fui até a cabina do motorista e, enquanto ele prosseguia dirigindo, eu lhe fiz as seguintes colocações:

– Senhor motorista, eu não o conheço, mas vários passageiros me pediram para que viesse aqui lhe fazer uma advertência e um apelo. Do jeito que o senhor está dirigindo, coloca em risco a vida de todos nós, passageiros, e sua própria. Os passageiros estão pedindo que o senhor não pratique mais ultrapassagens arriscadas e diminua a velocidade nas curvas. Tenha a bondade de atender o pedido deles. Sei que o senhor deve estar cansado e pode possuir razões para estar nervoso e apressado. Mas, acima de tudo, está a vida dos passageiros que o senhor está transportando.

Mas aí é que está a coisa. Voltei para junto dos outros passageiros e disse para todos o seguinte:

– Meus amigos e amigas que estão viajando comigo. Ponham-se no lugar desse motorista que está nos guiando. Com certeza, ele não dorme direito, não lhe concedem a folga justa e humana. Além disso, a empresa em que ele trabalha deve exigir um horário nos trajetos que está acima de seu desempenho normal, o que o faz apressar-se. Outra coisa, vim a saber quanto ganha um motorista de ônibus intermunicipal, é por volta de R$ 1.110 a R$ 1.400 mensais.

Ele deve ter família, talvez extensa prole, por já ter mais de 54 anos, não consegue dar um tratamento justo à família, falta dinheiro para sustentá-la. Eu pergunto, então, para os senhores: não há razões adequadas para esse motorista estar dirigindo tão perigosamente?

Todos concordaram comigo, e alguns, que tinham ameaçado até agredir o motorista faltoso, ou xingá-lo, resolveram nada fazer com ele e seguir viagem cordata, à espera de que a advertência que fiz ao motorista em nome deles surtisse efeito e a viagem não apresentasse mais sobressaltos.

É a tal coisa: precisamos nos colocar no lugar de quem está nos prejudicando com suas atitudes. Sempre.

Não é certo só olharmos as questões por nossos pontos de vista. É preciso que assumamos o lugar dos outros, e compreenderemos melhor a vida.

Ah, faltavam 200 quilômetros para o fim da viagem quando aconteceu o relatado acima. E toda a distância faltante foi percorrida com tranquilidade. O motorista se pôs sereno depois que falei com ele.

Sem necessidade de chamar a polícia.

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