01
de abril de 2013 | N° 17389
L.
F. VERISSIMO
O nome feio
No
meu tempo... Parênteses: sempre que um cronista começa a crônica com “no meu
tempo” significa que está sentimentalizando sua velhice para não precisar
lamentá-la, o que não interessaria a ninguém. No meu tempo, como eu dizia
quando me interrompi tão rudemente, ler ou ouvir um “nome feio” fora de
contexto era sempre uma felicidade. Me lembro da minha surpresa ao descobrir
que havia nomes feios nos dicionários.
Agradávamos
aos nossos pais, dando a impressão de que fazíamos uma pesquisa etimológica
séria no dicionário, quando na verdade estávamos procurando “bunda”. No meu tempo,
entre parênteses, “bunda” era nome feio.
Em
Porto Alegre, há muitos anos, existia uma loja chamada Casa Carvalho. O nome da
loja aparecia em letras aplicadas à sua fachada e, dependendo da sua faixa
etária e da sua disposição para pensar em bobagem, você ou pertencia ao grupo
que vivia em alegre expectativa do dia em que o “v” de “Carvalho” caísse, ou ao
grupo mais velho que vivia em sobressalto com a possibilidade disto ocorrer.
Que
eu me lembre, o desejado ou temido nunca aconteceu, e a loja chegou ao fim dos
seus dias com o “Carvalho” intacto. Mas durante toda a sua existência, apenas
aquele pequeno detalhe separou o estabelecimento do vexame e a cidade de um
abalo moral.
No
Rio, entre Copacabana e Ipanema, existe uma rua que eu já ouvi ser chamada de
“Quase, quase” . Trata-se da Bulhões de Carvalho, que depende apenas de uma
letra para deixar de ser um nome de família e se transformar numa raridade
anatômica.
No
meu tempo, isto seria motivo para muita risada, mas como hoje não existe mais
“nome feio” e até em conversa de criança palavrão é usado como pontuação,
perdeu a graça. Posso imaginar um avô atual chamando a atenção do neto para a
consequência de um único erro ortográfico na grafia do nome da rua e o neto
fazendo uma cara de “Me poupe”.
Eu e
o hipotético avô acima pertencemos à ultima geração que espantou o Condor, o
que explica nossa ingenuidade. Na apresentação dos filmes da distribuidora
Condor aparecia um pássaro condor na beira de um precipício pensando em alçar
voo, e era comum, era quase obrigatório, a plateia espantar o condor, que sem
este incentivo jamais voaria. Nunca mais se espantou o condor, se é que o
condor ainda existe. Olha aí, acabei me lamentando.
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