domingo, 16 de outubro de 2016

Contrariedade de Moro revela que há algo de Savonarola no seu sistema
Marcelo D. Sants/FramePhoto/Folhapress

Juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, participa do 5º Fórum Nacional Criminal dos Juízes Federais, em São Paulo

O professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite publicou um artigo na Folha comparando o juiz Sergio Moro ao frade dominicano Girolamo Savonarola, que barbarizou a vida de Florença no final do século 15. Era uma época em que os pregadores tinham a popularidade dos roqueiros de hoje. Visionário, demagogo, moralista e ascético, Savonarola incendiou a cidade abatida por uma invasão estrangeira, pela fraqueza de sua elite, mais a peste, fome, misticismo e superstições.

Savonarola foi excomungado pelo papa Alexandre 6º (pai de pelo menos oito filhos) e, quando sua liderança popular enfraqueceu-se, acabou preso, torturado, enforcado e queimado. (Tempos depois apareceram flores no lugar do patíbulo. A retórica papista patrulhou a memória do frade com tamanha eficácia que a cidade de Florença levou quatrocentos anos para homenageá-lo com uma lápide no ponto da praça onde mataram-no.)

Cerqueira Leite concluiu seu artigo rogando uma praga: "Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes. Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira".

Dias depois Moro respondeu ao professor com uma carta. Curta, dizia o seguinte:

"Lamentável que um respeitado jornal como a Folha conceda espaço para a publicação de artigo como o 'Desvendando Moro', e mais ainda surpreendente que o autor do artigo seja membro do Conselho Editorial da publicação. Sem qualquer base empírica, o autor desfila estereótipos e rancor contra os trabalhos judiciais na assim denominada Operação Lava Jato, realizando equiparações inapropriadas com fanático religioso e chegando a sugerir atos de violência contra o ora magistrado. [...] Embora críticas a qualquer autoridade pública sejam bem-vindas e ainda que seja importante manter um ambiente pluralista, a publicação de opiniões panfletárias-partidárias e que veiculam somente preconceito e rancor, sem qualquer base factual, deveriam ser evitadas, ainda mais por jornais com a tradição e a história da Folha".

Não foi uma carta, mas uma sentença. Moro tem todo o direito de achar que o professor atacou-o com "estereótipos e rancor", mas foi com estereótipos e rancor que respondeu. Cerqueira Leite fez um paralelo histórico e Moro não discutiu uma só virgula do artigo. Lamentou que o jornal publique coisas desse tipo e, pior, que mantenha o professor no seu conselho editorial. Despediu-se ensinando: "A publicação de opiniões panfletárias-partidárias [...] deveriam ser evitadas". Como? Savonarola publicava seus sermões e queimava os dos outros.

Moro viu demônios quando disse que Cerqueira Leite chegou "a sugerir atos de violência contra o ora magistrado". O papismo dizia que Savonarola era doido, mas o professor não sugeriu que se enforque o "ora" magistrado. Moro se queixa de que a comparação com Savonarola não teve "base empírica". O que isso quer dizer, não se sabe.

O artigo de Cerqueira Leite foi mais uma opinião no grande debate aberto pela Operação Lava Jato. A contrariedade de Moro produziu uma surpresa: há algo de Savonarola no seu sistema.

ERRO

Estava errada a informação aqui publicada segundo a qual Michel Temer acumula o salário de presidente da República com o de procurador aposentado do Estado de São Paulo (R$ 21 mil líquidos).

Aplicando todos os redutores e limites que a lei determina, Temer recebe mensalmente R$ 24 mil.

CURITIBA

Condenado a 23 anos de prisão, o poderoso comissário José Dirceu teve mais um habeas corpus negado pelo ministro Teori Zavascki. Aos 70 anos, ele é um detento exemplar no presídio de Pinhais, no Paraná. Conformado, lê muito e recebe visitas semanais da mulher. Para quem viu o filme "Papillon", com Steve McQueen, ele ficou parecido com o sereno falsário Dega, vivido por Dustin Hoffman.

A cana de Pinhais é dura. A vigilância chega a impedir a entrada de comidas onde os policiais podem suspeitar que haja chips escondidos.

SAN TIAGO DANTAS

Está chegando às livrarias o volume de "Escritos Políticos" de San Tiago Dantas. Reúne 113 textos de artigos e palestras produzidos entre 1929 e 1945.

O livro foi organizado pelo advogado Pedro Dutra, a quem se deve o resgate dessa grande figura. O mineiro San Tiago foi um dos maiores símbolos da elite intelectual, política e econômica do século passado. Foi do fascismo ao reformismo do governo João Goulart, a quem serviu como ministro das Relações Exteriores e da Fazenda. Advogado brilhante, perseguiu cultura, dinheiro e poder. Conseguiu a cultura que quis e o dinheiro que precisou, mas tropeçou na corrida pelo poder.

Pedro Dutra já publicou um premiado volume com a biografia de San Tiago até 1945 e está trabalhando no segundo.

Madame Natasha, o juiz e o professor

Madame Natasha concedeu uma bolsa de estudos conjunta ao professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite e ao juiz Sergio Moro. Ambos chamaram o frade Girolamo Savonarola de "fanático". Natasha não discute a figura do dominicano, a quem detesta porque não gostava de festas e era muito feio. Para a senhora o problema está no uso da palavra "fanático". Ela é usada pelos poderosos para desqualificar coisas ou pessoas relacionadas com o andar de baixo. Savonarola não era fanático. Foi um radical, precursor da reforma da Igreja. O frade foi enforcado em 1498 e, em 1517, Martinho Lutero rachou a Igreja, afastando-se do luxo e da corrupção vaticana.

No Brasil foram "fanáticos" os miseráveis de Canudos e os posseiros do Contestado. Em 1974, a palavra foi usada pelo general João Baptista Figueiredo para qualificar jovens guerrilheiros do Araguaia que eram assassinados após se renderem às tropas do Exército. 

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