18 de outubro de 2016 | N° 18663
DAVID COIMBRA
O soco que não dei
Já deixei de dar um soco bem no meio da cara de certos seres humanos, e ninguém nunca me cumprimentou por isso.
Não que seja a favor da violência, de jeito nenhum, sou muito contra, mas, em algumas oportunidades, tendo sido irritado ao extremo, pensei: “Vou dar um soco bem no meio da cara deste ser humano”. Cheguei a fechar a mão, rilhei os dentes, senti a energia da fúria correr-me pelo braço... e me contive. Reprimi o desejo. Depois, congratulei-me em silêncio pela decisão sábia. Tivesse tomado aquela atitude, teria sido horrível, teria me incomodado demais.
Quem é que ficou sabendo que fui tão cordato, paciente e civilizado? Ninguém. As pessoas podiam me admirar por essa façanha, mas elas só olham para os meus defeitos. Só veem os erros que cometi, jamais os que NÃO cometi.
Há várias outras coisas medonhas que não fiz ou que evitei que fossem feitas, e pelas quais não levo mérito algum. Tais como:
Salvei crianças de queimaduras terríveis ao não colocar a chaleira de água fervente na boca da frente do fogão. Salvei pessoas da morte quando não acelerei demais meu carro nas estradas.
Uma vez, impedi que uma pessoa cortasse fundo a carne do seu pé, ao tirar um caco de vidro da areia da praia e jogá-lo fora.Sou praticamente um herói anônimo.
Mas sei que não sou o único. Os fiscais das prefeituras, por exemplo. Eis homens admiráveis. Quando eles cassam o alvará de um estabelecimento que não cumpriu as normas de segurança contra incêndio, quando eles fecham um restaurante que não preza a higiene em sua cozinha, quando eles isolam uma calçada porque pode haver desabamento de uma marquise, quantas vidas eles preservaram? Dezenas? Centenas? Milhares? Alguém agradece a eles por isso? Algum vereador já instituiu o Dia do Fiscal de Prefeitura? Existe o Santo Protetor dos Fiscais?
Não!
Os fiscais de prefeitura são desprezados e até insultados durante sua jornada diária em defesa da vida humana. Da SUA vida, querido leitor.
A verdade é que remediar vale aplauso, prevenir vale indiferença. Todo mundo festeja o centroavante goleador, mas e o goleiro? Todo mundo se emociona com o bombeiro, mas e o eletricista, que montou a fiação que não sofre curto-circuito?
O que é mais caro? A prevenção e o planejamento ou a correção e o socorro?
Rede elétrica subterrânea custa mais do que postes e fios a céu aberto. Mas quanto a comunidade gasta com as quedas de energia, que, numa cidade como Porto Alegre, ocorrem de 15 em 15 dias?
Ontem, ouvi o prefeito de Tubarão falar sobre o temporal que se abateu sobre o sul do Brasil, matando uma menina de sete anos. A certa altura, o prefeito lamentou: – Nós não sabíamos que isso ia acontecer!
Não sabiam... Não houve estação meteorológica capaz de prever a intempérie. Quanto custa uma estação meteorológica? Decerto, bem menos do que a vida de uma menina de sete anos.
Se você planeja, não precisa socorrer. Se você tem cautela, não precisará de solidariedade. Heróis anônimos dispensam super-heróis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário