quarta-feira, 12 de outubro de 2016



12 de outubro de 2016 | N° 18658 
DAVID COIMBRA

As vantagens da mediocridade

A mediocridade é uma bênção, sobretudo se é consciente. Você não tem a responsabilidade da grandeza nem a escassez da pequenez. Você não provoca inveja nem desperta desprezo. E, o melhor de tudo, você não espera muito de si mesmo, qualquer coisa o satisfaz. Ser medíocre é estar sempre ao alcance da felicidade.

Faça um paralelo com essa divertida representação da vida que é o futebol. Qual é o time mais agradável ao seu torcedor, no Campeonato Brasileiro?

O Grêmio, evidentemente.

O Grêmio move-se ali pelas imediações da décima colocação, um lugar que não é frio, mas também não é quente. Não será campeão e tampouco cairá para a segunda divisão. O que o gremista espera do Grêmio? Quase nada. O torcedor pode ir à Arena e olhar o jogo distraidamente, pode ir ao bar a fim de comprar um cachorro-quente para o filho e voltar sem pressa, até porque ele sabe que o time não é muito afeito a fazer gol. Tudo tranquilo, tudo em paz, nada de sobressaltos.

O Grêmio é um time alegremente monótono. Correu apenas dois riscos neste Campeonato. O primeiro ainda corre. É essa possibilidade agastante de obter uma vaga para a Libertadores. Dá ideias ao torcedor. Deixa-o inquieto. E é péssimo para o ano que vem, porque, se o Grêmio se classifica para a Libertadores, não ganha a Libertadores e deixa de ganhar o Gauchão.

O outro risco, felizmente, foi debelado. É que o Grêmio rondou a primeira colocação por algum tempo. Era terrível para o torcedor e para o time. Havia obrigação de vencer cada jogo, todos ficavam nervosos. Estar lá em cima, portanto, é bem ruim.

Já o Inter tem se mantido lá embaixo. Igualmente horrível. O torcedor está sempre angustiado e os jogadores vivem sendo insultados.

Olho para a situação do Inter e lembro do meu amigo Fernando Araújo. No nosso tempo de discoteque no Gondoleiros, o Fernando sofreu um acidente e quebrou a perna em várias partes. Passou seis meses de cama e, depois, caminhava com dificuldade. Mesmo assim, nos acompanhava nos embalos de sábado à noite. Um dia, voltávamos de madrugada da festa com o famoso Conjunto Impacto e descemos do ônibus ali na Brasiliano de Moraes. Seguimos para casa pela Industriários. Avançávamos bem devagar, por causa do Fernando.

Foi então que vimos, lá adiante, a cena pavorosa: uma horda se aproximava. Pordeusnossosenhor, eram uns QUARENTA negões, todos maiores do que o zagueiro Paulão. Eles vinham fazendo grande tumulto, gritando, chutando latas de lixo, e alguns chegavam a ter umas tochas na mão. Tochas, sério, uns pedaços de pau com fogo.

– Os hunos! – gritei.  – Vamos correr – propôs, muito sensatamente, o Jorge Barnabé.

– Vamos! – concordamos todos, menos o Fernando, que disse: – Eu não vou correr, com essa minha perna doendo. 

– Tá louco? – gritou o Cavalo. – Vamos correr, sim! – uivou o Plisnou, que plisnous uivam.

Ao que o Fernando sentenciou: 

– Corram vocês. Me deixem apanhar descansado.

É isso! “Me deixem apanhar descansado”. Se o Inter tiver de cair, cairá. Não vencerá um só jogo porque a torcida está ameaçando matar jogadores e dirigentes. Ninguém quer apanhar, é que às vezes o sujeito entra na rua errada, na hora errada. Aí, paciência. Seja o que Deus quiser. Nós, inclusive, decidimos ficar ao lado do Fernando, mas lhe fazendo uma advertência:

– Se nós apanharmos daqueles caras lá, tu vai apanhar de nós depois!

Fomos em frente, tesos, rezando. Eles passaram por nós como se não existíssemos. Nem nos olharam. Por quê? Devem ter achado que não valia a pena perder tempo com aquela mediocridade. A mediocridade salva. A mediocridade é uma bênção.

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