domingo, 16 de outubro de 2016


15/16 de outubro de 2016 | N° 18661 
L.F. VERISSIMO

Anastácia

Contrataram a gorda Anastácia pela sua cara simpática, e ela se revelou uma empregada do tipo que não se encontra mais. Segundo dona Helena, uma empregada do tempo antigo. Cozinhava que era uma beleza, e era ótima com os garotos.

Uma noite, depois do jantar, o doutor Almir estranhou o silêncio. Onde estavam os meninos? Eles costumavam correr da mesa para os seus barulhentos videogames e ficar jogando até a hora de dormir, todas as noites. Mas a TV deles estava em silêncio. E os meninos estavam na cozinha, ouvindo Anastácia contar uma história. Helena e o marido foram espiar e deram com aquele quadro que também parecia saído do tempo antigo. Anastácia lavando os pratos e os meninos sentados no chão, ouvindo a história que ela contava. 

O que dona Helena e o marido não tinham conseguido nem com súplicas nem com ameaças, tirar os meninos da frente da TV, Anastácia conseguira com suas histórias. E daquela noite em diante, depois do jantar, os meninos mal podiam esperar Anastácia tirar a mesa e começar a lavar os pratos antes de sentarem no chão da cozinha para ouvir outra história. O doutor passou a ler seu jornal em paz, e dona Helena passou a ver sua novela sem precisar aumentar o volume para abafar a zoeira dos videogames. Pensando sempre: “Que maravilha. Essa Anastácia, que maravilha”. Pensando: “É como se tivéssemos voltado ao tempo antigo”.

Uma noite, o filho menor fez uma coisa que não fazia há muito tempo. Pediu para dormir na cama com o pai e a mãe. Disse que estava com medo da mula sem cabeça. Do quê?!? O mais velho, que chegou logo em seguida e também pediu refúgio na cama, contou que a história da mula sem cabeça era uma das que a Anastácia contava. Ela também contava histórias do Tião Tesoura, que entrava no quarto de garotos que faziam xixi na cama e cortava os seus pintos. E do Preto Mamão, que pegava crianças desobedientes e levava para criar junto com os seus porcos e, quando elas ficavam bem gordinhas, assava vivas. 

O doutor argumentou que os videogames dos meninos também estavam cheios de monstros, e que nenhum tirava o sono deles. Os meninos responderam que os monstros dos videogames eram eletrônicos, de mentira, e, mesmo, podiam ser desintegrados com zapeadas certeiras. Já a mãe da Anastácia vira, pessoalmente, a mula sem cabeça. Anastácia conhecia gente que conhecia vítimas do Tião Tesoura. Uma tia dela só se livrara de ser assada viva porque conseguira fugir do chiqueiro do Preto Mamão. E...

Helena pediu para Anastácia maneirar nas histórias que contava para os meninos.

– “Maneirar”? – Inventa umas mais, assim... – Eu não invento nada, dona Helena. Tudo que eu conto aconteceu mesmo.

– Naquela noite, custaram a convencer os meninos a não sentarem no chão da cozinha para ouvir a história da Anastácia e irem jogar videogame. Eles queriam ser aterrorizados. Helena decidiu que era melhor mandar a Anastácia embora. Precisava pensar na formação psicológica das crianças.

“É melhor mandá-la embora”, pensou Helena. E pensou: “O tempo antigo era bom demais para durar...”.

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