26 de outubro de 2016 | N° 18670
PEDRO GONZAGA
MACADÂMIAS
Um ex-conhecido me encontra no supermercado, eu estava imerso em contemplação (já me disseram que sou a única pessoa que perde tempo diante de macadâmias), e logo vem me cumprimentar pelas crônicas da Zero Hora. Faço-lhe uma mesura e espero. Tem sido sempre assim, um elogio e depois uma adversativa. Admito minha parte da culpa, acredito na inerência de minhas falhas, mas reconheço que progressivamente as gentes têm agido dessa maneira: não conseguem mais fazer um elogio completo, nem disfarçam a delícia que lhes acomete ao começar a parte da crítica. Por isso, aguardo que o reconhecido me lance suas objeções.
– Sabe, tu usa muitas palavras que eu não conheço. Será que tu não podia escrever mais simples?
Concordo. Agradeço. Todos podemos uma série de coisas para os outros.
Noutra feita, um leitor me escreve dizendo que me acha pouco propositivo, afinal, não apresento soluções para nada. Fato. Mas se até hoje não consegui solucionar sequer meus problemas, como poderia solucionar os alheios?
Por fim, uma amiga cobra que eu tenha algo a dizer sobre os assuntos do momento.
– E por que falar do presente? – pergunto.
– Porque tu é um cronista, ora.
Então me dou conta do óbvio. Nunca fui um cronista, mas um anacronista. Coloquialidade, soluções políticas, reflexões sobre o cotidiano, as práticas tradicionais da crônica, estão fora do meu alcance. A linguagem coloquial senão em Bandeira me aborrece, os problemas da sociedade me são muito complexos, as coisas do agora me interessam pouco.
Às favas com o Nobel do Dylan, prefiro falar de Richard Hawley, de sua voz de cantor dos anos 1950, de suas letras de amor desesperado. Ou de um livro lançado há anos, como Beleza, do Roger Scrutton, que nunca deixa de me voltar à memória em um mundo em que a busca pelo belo se tornou anacrônica para além dos desenhos de móveis, automóveis, produtos eletrônicos e da linha branca.
Um anacronista. Que tem dificuldade de usar suas experiências como ganchos. Um cronista volta à própria infância para falar da infância de hoje. Para mim, a experiência da primeira macadâmia, com sua doçura oleosa de esfera, é só uma justificativa para a exótica contemplação a que me dedico no meio do supermercado.
Por isso, agradeço aos leitores que desde há muito souberam me perdoar.
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