sábado, 15 de outubro de 2016



15 de outubro de 2016 | N° 18661 
CARPINEJAR

Deixar para depois


No casamento, você sempre deixa para depois. Acredita que a pessoa mais importante de sua vida pode esperar, já que dorme e acorda ao lado dela todo dia, já que ela vai entender os seus contratempos.

Atende primeiramente os estranhos do trabalho, agrada aos desconhecidos das redes sociais, está preocupado como os demais lhe enxergam mais do que como realmente é entre quatro paredes.

Casamento torna-se adiamento. Aquele bilhete não é tão urgente, aquela conversa de pacificação é empurrada para o futuro, aquele final de semana enamorado não é prioritário.

Só na separação é que agimos. Para resgatar uma paixão, somos capazes de aprender a cozinhar, aprender a dançar, aprender a faxinar.

Com o casamento, desaprendemos a cozinhar, a dançar, a faxinar. Guardamos o fôlego adormecendo cedo, poupamos as palavras não descrevendo os nossos dias, existimos menos dentro de casa, desistimos rapidamente da gentileza pela informalidade. Não podemos gastar com o supérfluo. Supérfluo é o que envolve o próximo. A avareza cresce disfarçada de economia.

Na reconquista, não dispensamos trabalho, madrugamos, viajamos continentes dentro do quarto, pedimos dinheiro emprestado para socorrer o tempo perdido com a distância.

A verdade é que fazemos tudo errado até perder aquilo que era certo.

Só amamos sofrendo. Só amamos quando o outro nos abandona, quando o outro se cansa, quando o outro se despede.

Só procuramos as janelas quando a porta fecha, só nos importamos com os detalhes quando o conjunto desaparece. Só amamos na contrariedade, para provar que ainda prestamos.

Só amamos com o orgulho ferido, quando somos testados. Só amamos com a desilusão, quando somos contestados.

Só amamos com a recusa, quando somos condicionados a nos esforçar para reaver a confiança.

Só amamos com o chicote da indiferença nas costas, apanhando das expectativas.

Infelizmente valorizamos mais a saudade do que a proximidade.

Banalizamos o corpo, apenas respeitamos a ausência, que é correr atrás para ter de volta a vida passada. Somos encarnações arrependidas de matar o amor de tédio.

Para ser feliz a dois, é necessário combater a facilidade e não se conformar nunca com a disponibilidade do beijo, do toque e do abraço.

Intimidade é jamais desistir de perguntar, não é pensar que já conheceu inteiramente alguém. As respostas mudam conforme a esperança.

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