sábado, 8 de outubro de 2016



08 de outubro de 2016 | N° 18655 
ANTONIO PRATA

IMPACIÊNCIA (Parte 1)

Ao sair do útero, é normal que você se impaciente. Lá dentro estava morninho, comida, bebida e oxigênio chegavam diretamente no umbigo via USB, aí te tiram da bolha, te cegam com a luz, você sente fome, sente frio, sente raiva, só quer que aquilo acabe logo.

Com um ano, é normal que você se impaciente. Já percebeu que a sua espécie é bípede e falante, mas você ainda é um quadrúpede balbuciante. Você quer explicar que a etiqueta está pinicando a bunda, que o bolo em cima da geladeira é muito mais apetitoso do que a sopa na tigela, quer voltar praquela praia em que tinha siri e quer ver o que acontece dentro da privada depois que dão a descarga, mas só consegue dizer “babadamdambléblé”.

Com cinco anos, é normal que você se impaciente. Já percebeu que o mundo é por escrito, do menu do Netflix ao pacote de polvilho, tudo se comunica através daqueles rabisquinhos, mas você ainda está preso às figuras, como um bebê que só consegue fazer “babadamdambléblé”.

Com 10 anos, é normal que você se impaciente. Já percebeu que esse negócio de criança é meio infantil, que o legal é ter bigode ou peitos, que muito mais emocionante do que balançar bem alto e gritar “Eeeeee!” é ficar parado na porta da escola com cara de enfado mascando chiclete, mas você ainda arrasta a mesma lancheira de quando nem sabia ler.

Com 15 anos, caramba, com 15 anos é obrigatório que você se impaciente. Os adultos dizem que essa é a melhor fase da vida, você já tem bigode ou peitos (talvez já tenha bigode & peitos), o mundo dos outros parece uma propaganda de Campari, mas o seu tá mais pra um filme da Sessão da Tarde: previsível, repetitivo e sem sexo, como quando ainda brincava no balanço da escola.

Com 20 anos, é normal que você se impaciente. Se acha mais inteligente do que todo mundo, mas por alguma razão não te contrataram como CEO do planeta Terra e sim como estagiário, você ganha algo entre nada e coisa nenhuma, ainda mora com os seus pais e vive sob as leis impostas por esses cretinos – os adultos. Quantos anos acham que você tem? Quinze?!

Com 30 anos, é normal que você se impaciente. Está correndo pra fechar urgentemente algum trabalho que tem que ser entregue até quinta às 18h39min ou a abóbada celeste sem dúvida desabará sobre nossas cabeças, a sua mãe te deixou 11 recados avisando que é aniversário da tia Eunice, tem 132 e-mails não respondidos na sua caixa postal, você precisa passar no jantar do Pedro e no lançamento da Lia e além de tudo arrumar tempo pra fazer exercício – afinal, você não tem mais 20 anos e uma barriga ridícula resolveu se aboletar dentro da sua camiseta.

Com 40 anos, é normal que você se impaciente. Você precisa trabalhar e cuidar das crianças, mas as crianças te impedem de trabalhar e o trabalho te impede de cuidar das crianças, faz seis meses que você não vê o Pedro, dois anos que não vê a Lia, aquela barriga não te abandona desde os 30, o fim da crônica chega quando ainda falta descrever umas quatro décadas de impaciência e seu filho de um ano chora pela casa, então você decide adiar a segunda metade do texto para a próxima semana e vai até a cozinha, onde encontra o menino empurrando a sopa de ervilhas e apontando para o bolo no alto da geladeira. Calma, Daniel! Calma!!! Calmaaaa!!!!!!!

(To be continued).

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