quinta-feira, 27 de outubro de 2016


27 de outubro de 2016 | N° 18671
ARTIGO | GERALDO COSTA DA CAMINO*

2056, UMA DISTOPIA


Tornou-se difícil, hoje em dia, discutir racionalmente um assunto. Fazê-lo dividindo a análise em planos distintos, então, quase impossível. Em tempos de instantaneidade de opiniões e de ideologias com verniz de ideias, imperam o maniqueísmo e a superficialidade. A “bola da vez” é o projeto de lei de “aumento” para membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. 

Aliás, de mera reposição, e parcial (16%), de perdas que já chegam, em 10 anos, a 42%. Altas autoridades sedizentes republicanas e a opinião pública – ou publicada – já elegeram tais “privilegiados” como os inimigos públicos da nação. Basta ler os editoriais dos grandes jornais para comprová-lo. Ainda assim, mesmo sem esperança de ser ouvido, alinhavo, por desafogo, argumentos que desmentem a falácia em voga.  

Primeiro: o propalado impacto nacional do rea- juste nas finanças públicas, de cerca de R$ 4 bilhões, embora impressionante em sua cifra, precisa ser contextualizado. São orçamentos que, somados, perfazem algo como R$ 2 trilhões. Assim, a reposição – direito de todas as categorias profissionais dos setores público e privado – significaria acréscimo de 0,2% nas despesas, o que, ao contrário do que o falso alarmismo vaticina, nem de longe desestabilizaria fiscalmente o país. Segundo: não se trata de evitar a discussão de quanto deveriam receber os magistrados. 

Essa questão diz respeito a que juízes e promotores queremos (já que o quanto se lhes paga, obviamente, define, em boa medida, o nível dos que serão recrutados). O povo, através de seus representantes ou diretamente, é soberano, na democracia, para fazer escolhas como essa. Trata-se, isso sim, de discordar do uso discriminatório, apenas contra magistrados, de um congelamento destinado a reduzir subsídios que são constitucionalmente irredutíveis.

Há 40 anos eu concluía o ensino de primeiro grau. O Grupo Escolar Anne Frank, no Bom Fim, era considerado escola-padrão no Estado. Devo muito, do pouco que sei, às dedicadas e competentes professoras que lá lecionavam. O magistério era, então, carreira bem paga e valorizada socialmente. Minha querida tia Anita, professora estadual, abastecia-me quinzenalmente de livros – e lhe sou eternamente grato pelo hábito da leitura –, para não falar dos generosos presentes em datas festivas. 

Nem preciso referir o que fizeram o tempo e os governos com a remuneração do magistério e, aos poucos, com a qualidade da educação. Ninguém imaginaria, em 1976, que em 2016 o ensino público estaria como está. As classes mais favorecidas foram indiferentes ao “arrocho” do magistério porque tiveram como alternativa o ensino particular. Será que em 2056 haverá Justiça privada?

*Membro do Ministério Público

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