15 de outubro de 2016 | N° 18661
ANTONIO PRATA
A IMPACIÊNCIA PODE ESPERAR
Semana passada, pela primeira vez em quase 20 anos no ramo, terminei uma crônica adiantando o assunto da próxima. Depois de enumerar razões para sermos impacientes nas primeiras quatro décadas de vida, prometi que falaria, hoje, das razões de impaciência nas quatro décadas seguintes.
Quase 20 anos no ramo deveriam ter me ensinado algumas lições. Por exemplo, não cair na arapuca de emitir promissórias literárias: como saber se, na eternidade que separa os dois domingos, o furacão Matthew não irá rodopiar pela Paulista, o monstro do Lago Ness não irá espichar seu pescoço no lago do Ibirapuera, Scarlett Johansson e Penélope Cruz não me telefonarão propondo fazer um remake – real – de Vicky Christina Barcelona comigo no lugar do Javier Bardem? Enquanto houver furacões, monstros, Scarletts e Penélopes à solta, de tédio não morreremos jamais.
Jamais. E, no entanto, não foi um evento extraordinário o que me fez quebrar a promessa da sequência – é a brisa, mais do que o vendaval, o que move a jangada do cronista. (Se Scarlett ou Penélope me ligassem, eu escreveria um romance, uma ópera, uma epopeia – ou, provavelmente, não escreveria mais coisa alguma). O que me fez adiar o assunto prometido foi uma ida ao Rio de Janeiro, na terça, pro casamento de um amigo.
Confesso que naquela tarde, instalado num hotel ao lado do Santos Dumont, a impaciência ainda rondava meus pensamentos: tenho que escrever a crônica, tenho que escrever a série, tenho que terminar o livro, tenho que perder quatro quilos, tenho que passar mais tempo com as crianças, tenho que perguntar na portaria se alguém sabe dar nó em gravata. Cheguei a começar o texto anunciado, mas o céu lá fora estava tão azul, o Pão de Açúcar tão preto e a areia do Flamengo tão branca, que decidi, antes de chafurdar em décadas de sofrimento, dar uma corrida no aterro.
Correr no Rio de Janeiro sem ser influenciado pela paisagem é como cruzar uma Oktoberfest sem dar um gole de cerveja. Lagoa, Aterro, praia de Ipanema ou Copacabana, Jardim Botânico, pista Claudio Coutinho, Vista Chinesa, tanto faz: aos poucos, a floresta vai hidratando a minha paulistíssima aridez, as pedras monumentais vão sugerindo grandiosidade à minha humaníssima pequenez, o sol no rosto e o cheiro de mato e de mar e de mijo – por questões sociológicas, meteorológicas e, sem dúvida, urológicas, mija-se muito pelas ruas do Rio de Janeiro – vão provocando uma onda meio hippie, tipo “bicho-a-natureza-é-uma- coisa-bem-louca-e-eu-e- você-e-a-lua-e-o-coqueiro- existimos-e-somos-feitos-da- mesma-matéria-e-um-dia- vamos-acabar-mas-agora- ainda-não-e-viva-a-endorfina-e-ahhhhh-eu-acho-que- vi-um-tucano!”.
Quando voltei pro hotel, empapado de suor, sentindo o sangue latejar no rosto e a pele devolver ao ar o calor do sol carioca, eu queria falar da corrida, da paisagem, da areia do Flamengo, da menina de dreads se equilibrando na corda entre duas palmeiras ou do grupo de senhoras fazendo caminhada de biquíni e viseira pelo calçadão; queria falar de tudo, menos do tema prometido. E depois ainda teve o casamento e tocou Gilberto Gil e abracei o meu amigo e beijei o meu amor e fomos felizes para sempre. Perdão, caro leitor, perdão, cara leitora, mas a impaciência pode esperar.
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