segunda-feira, 24 de outubro de 2016


24 de outubro de 2016 | N° 18668 
DAVID COIMBRA

Revolta já

O que está acontecendo contigo, Porto Alegre?

Porto Alegre, minha cidade, onde estão tantas pessoas que amo, o que está havendo? Queria escrever sobre o Gre-Nal. Para mim, porto-alegrense que sou, o Gre-Nal é a essência do futebol. É o maior jogo do mundo.

Poderia, talvez, escrever sobre a “foliage” que fui ver neste fim de semana no Estado de Vermont: o outono pintando as folhas das árvores de todas as cores. Muito bonito – tanto quanto os ipês roxos e amarelos de Porto Alegre. Temos nós também a nossa foliage.

Queria, enfim, tratar de amenidades que têm a ver com o lugar em que nasci, mas como, se a cidade esfrega o Mal na nossa cara? Não consigo parar de pensar naquele pai que foi assassinado diante da sua menininha, semana passada. Aquilo me fez mal. Poderia ter sido eu. Poderia ter sido qualquer um dos meus amigos. Porque isso tem sido frequente em Porto Alegre.

Não muito tempo atrás, uma mãe foi executada em condições semelhantes, na frente da escola da filha. Agora, o pai pegou sua filhinha de quatro anos de idade e foi lanchar com ela em um supermercado. Os bandidos o teriam confundido com um rival e o assassinaram a tiros. A garotinha ficou ferida com os estilhaços do para-brisa quebrado pelos disparos.

Que tipo de ser humano é capaz disso? Que tipo de cidade é essa, em que ocorrem crimes assim?

Quem já foi repórter de polícia, como fui, sabe que mesmo os bandidos têm a sua ética. Nos presídios, os estupradores são punidos pelos outros detentos porque eles sabem que suas mulheres e filhas estão do lado de fora. Pedrinho Matador, o maior assassino do Brasil, não perdoa estupradores. Um dia, ele foi colocado em um camburão junto com um estuprador. Ambos iam para o tribunal. Quando o carro chegou, os policiais abriram as portas e encontraram o estuprador morto – Pedrinho o estrangulara com a corrente das algemas.

– Era lixo – disse.

O que se pode dizer de uma pessoa que mata um homem diante de sua filhinha de quatro anos, ou que mata uma mãe diante da sua filha, na calçada da escola?

Que essa pessoa é lixo. E eles são. Não passam de lixo. Mas e a cidade? Será que a cidade também não tem sua culpa?

As pessoas se reúnem nas cidades para viver em segurança. Essa é a principal atribuição do Estado, essa é a função prioritária da vida em comunidade. Porto Alegre está falhando grosseiramente nessa atribuição. Mas é ainda pior do que isso. Em Porto Alegre, a falta de decência e a maldade ultrapassaram limites que envergonhariam o mais sanguinário dos mafiosos, e tudo continua como sempre esteve. A cidade tem de se levantar, tem de fazer algo.

Porto Alegre não é assim. Porto Alegre não pode aceitar que a situação esteja assim.

É preciso haver indignação. É preciso haver revolta. Já.

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